AGULHAS NEGRAS-PRATELEIRAS E TRAVESSIA REBOUÇAS MAUÁ EM 2 DIAS (SEM QUERER!) Imprimir
Seção: Montanha
Escrito por Alexandre Charão   
Seg, 15 de Abril de 2013 20:37

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Alexandre Charão no Parque Nacional do Itatiaia - foto arq. pessoal

O feriado de Páscoa foi bem aproveitado este ano! Em vez de ovos do coelhinho descobrimos os Ovos da Galinha, na Travessia Rebouças-Mauá via Rancho Caído. Tudo começou com um email da Kate Benedict, divulgando que o Centro Excursionista Guanabara estava organizando uma "invasão" no Parque Nacional de Itatiaia e que ainda havia vagas no Abrigo Rebouças. Há 20 anos que frequento o PNI e percebi que esta era a chance de conhecer o Rebouças por dentro, ao invés de só olhar pelas janelas. Além disto ficaríamos bem perto do início da trilhas para as Agulhas Negras e mais para o fim da estrada que vai para as Prateleiras, o que reduziria o tempo de caminhada. Calculei que daria para subir as Agulhas e voltar ao refúgio em 4 horas e calculei o mesmo tempo para ir e voltar às Prateleiras. Foi este o tempo que fizemos! 

 

 
Primeiro dia: Agulha Negras e Prateleiras
 
Levantamos às 6:30 e só fomos sair às 7:30 (muito tarde!). Sempre subi as Agulhas pela via Normal, só desta vez que percebi que ela é mais difícil e mais lenta do que a via do Pontão. A Carla passou alguns venenos, pois sempre subi sem corda e tem uns lances meio estranhos e úmidos por esta via. Há alguns grampos, mas sem corda de nada adiantam. Fomos tocando para cima, com alguma lentidão. Sugiro fortemente que, com grupos grandes, com pessoas menos experientes ou indo sem corda, que se suba a via do Pontão, à esquerda da via Normal. Após passarmos pelo Útero 1, pelo Útero 2 e por lances de 2 ou 3 grau, acabamos chegando à escaladinha em diagonal que dá acesso ao cume. Mais um venenozinho para a Carla pois não havia corda mas ela é corajosa e passou depois de algumas tentativas. Minha recomendação é que se leve uma corda de 8 mm com 20 ou 30m, o participante agradece!
Chegamos ao cume, tiramos algumas fotos e começamos a descer pela Via do Pontão. Esta é BEM mais fácil, sem lances de escalada e sem passagens por buracos. Convém levar corda para rapelar o único trecho de pedra, bem no final e bem mais vertical, que  finaliza a canaleta de descida e dá acesso à floresta onde começa a trilha de caminhada. Para quem não tem corda, como nós, convém fazer uma diagonal, mais acima, que une as duas vias (a do Pontão com a Normal) e que é bem fácil, sem necessidade de rappel. Depois disso foi só caminhar até o refúgio, parando para conversar com o grande grupo do CE Guanabara que se encaminhava para o cume. Chegamos às 13:30h na represa, comemos algo e decidimos nem entrar no Rebouças, pois seria uma tentação comer bem e descansar, o que nos atrasaria para ir para as Prateleiras. Tocamos direto então, passamos por alguns grupos já descendo e às 14:30 estávamos no cume, ou seja 1 hora após a saída do refúgio. Um guia local que lá estava nos perguntou o que tínhamos feito e quando dissemos que fizemos os dois cumes ele respondeu que já tinha feito mas que nunca mais repetiria, pois era muito puxado!
 A volta foi um pouco mais demorada, o cansaço já se fazia presente, havia vários grupos descendo (fomos pedindo licença e ultrapassando) e em certo ponto paramos e deitamos, pois bateu uma cansaço (hipoglicemia?) forte. Continuamos a trilha até o asfalto e logo depois das 15:30h estávamos no abrigo. Um bom tempo, eu acho, pois o total foi de 8 horas de caminhada. Eu fiquei meio triste pois a subida deveria ter sido mais rápida, mas realmente a via escolhida por mim era mais difícil e estávamos sem corda. Recomendo que se faça a via do Pontão para quem quer fazer os dois cumes no mesmo dia. Cuidado pois, quando acaba a trilha, tem uma pedra bem de pé e lisa, recomendo que se suba pela diagonal que fica ainda mais acima e que liga a via Normal com a do Pontão. Ou que se leve corda fina e curta ou sapatilha.
Pois bem, estávamos de volta ao abrigo, comemos algo e fomos deitar para descansar. O pessoal do CE Guanabara foi chegando aos poucos, com exceção de um grupo que ficou para trás pois uma das montanhistas estava passando mal. Ficamos preocupados, quando era uma 20h algumas pessoas foram procurá-los na trilha mas voltaram sem ver nada. Finalmente lá pelas 21:30 chegou este grupo, que tinha até um médico e que estava acompanhando e socorrendo a montanhista que estava passando mal. Fomos deitar lá pelas 22:30h, com a mochila cargueira bem leve já preparada para a Travessia Rebouças-Mauá no dia seguinte, com pernoite no Rancho Caído.
 
Segundo dia: Travessia Rebouças-Mauá
 
 Decidimos sair tarde, pois o pedaço até lá dura apenas algumas horas e já estávamos condicionados. Saímos às 9:30h, dissemos adeus ao pessoal do Guanabara (valeu pessoal!) e subimos para a base da Pedra do Altar, passando então pelo ponto mais alto da travessia toda, a 2.520m. Na descida encontramos um outro grupo que iria fazer a travessia via Serra Negra, fomos conversando com eles até a Cachoeira do Airuoca e tocamos até o fim do Vale do Silêncio, encontrado dois sapinhos flamenguistas e uma cobra vascaína. Passamos os Ovos da Galinha, subimos o cume logo atrás, atravessamos o colo e trocamos de vale. Resolvemos para na Pedra do Serrote para lanchar, devia ser uma 11:30h ou 12h. Ficamos 10 minutos, começou a chover e continuamos para o Rancho Caído. Devem ter mudado a posição desse pois quando vimos já estávamos lá. Eu e Carla temos andando rápido, estamos numa filosofia pack light (vide explicações abaixo) mas realmente nos surpreendeu chegar no local do nosso pernoite às 13:30h. 
Estava chovendo, começamos a pensar em completar logo a travessia toda, pois seria monótono armar a barraca e ficar lá, na chuva, até o dia seguinte. Um grupo acampado lá nos disse o fim da trilha, via Escorrega de Maromba, ficava a 6,7 km. Calculei, pelo nosso ritmo, que faríamos este trecho em 2 horas. Mas nem tudo são flores, chovia bastante, havia muito limo na descida e fomos num ritmo bem mais lento. E o cansaço já começava a dar sinais, afinal de contas, se soubéssemos que íamos fazer a travessia em um só dia nem teríamos levado as cargueiras, bastava uma pochete ou mochila de ataque bem pequena e leve. Enfim, fomos descendo na chuva, com cuidado para não escorregar no trecho do Mata-cavalo (agora sei porque tem este nome, mata mesmo, principalmente o joelho do cavalo), os campos de altitude terminaram, entramos na floresta e fomos sempre em direção nordeste, nos preparando para chegar no vale do Rio Preto. Em nenhum momento pudemos ver a Pico de Maromba, devido às nuvens carregadas que despejavam água sobre nós. Passado o riozinho deste trecho, chegamos à bifurcação (uns 300 m depois do rio) e pegamos à esquerda. Eu calculei que faltava uns 30 minutos, mas que nada, só fomos sair na Cachoeira do Escorrega às 16:30, ou seja, 3 horas depois de passarmos pelo Racho Caído.
 Foram 7 horas de caminhada para percorrer 27km. Alguns sites dizem que a travessia tem só 20km de extensão, ainda não sei bem em qual deles acreditar. O fato é que foi super factível atravessar em um dia só. Do Escorrega seguimos para a Vila de Maromba, onde um cartaz informava que o último ônibus era às 17:15h. Olhamos o relógio e eram...17:15h!!!! Oba, vai chegar o ônibus, podemos ir direto para o Rio se quisermos! Mas veio a ducha de água fria: o ônibus, nos feriados, não sobe até Maromba, ele para mais de 1 km abaixo. Achamos que não daria tempo, então pegamos uma pousada e fomos curtir a noite em Maromba. Que luxo acordar no Rebouças e terminar o dia tomando banho quente na região de Mauá, comendo truta!
Acordamos tarde no dia seguinte e pegamos o ônibus da Resendense das 10:15h. Às 12:00h estávamos no Graal (nova rodoviária de Resende), às 12:50 h embarcávamos novamente, às 15 h na Novo Rio e às 15:25h em nossa casa em Copacabana. Só faltava finalizar o feriado com um mergulho no mar, mas fomos comemorar num restaurante do bairro. Não sabíamos se íamos caminhar bem ou não, se daríamos conta do recado. Não tínhamos a menor intenção de completar em um só dia. Acredito que o passo rápido, as poucas paradas e a mochila leve tenham contribuído enormemente para que esta aventura tenha transcorrido de forma tão suave. Afinal, quem caminha leve curte mais!
Considerações sobre o Abrigo Rebouças:
O abrigo Rebouças estava fechado e hotel Alsene ainda funcionava da última vez que fui para lá, o que nos obrigava a passar pela portaria e a sair pela mesma a cada dia que íamos ao parque (o Rebouças ficou fechado por uns 25 anos, acredito). Pois bem, devido a esta proximidade do Rebouças com as Agulhas Negras, percebi que voltaríamos cedo ao Refúgio, o que nos daria tempo de fazer as Prateleiras no mesmo dia, ao invés de ficar tomando cerveja ou chocolate quente no refúgio. Com esta otimização do tempo, ainda teríamos mais dois dias completos dentro do parque, nascendo então a ideia de fazer a travessia Rebouças-Mauá no sábado de Aleluia e no domingo de Páscoa. Foi o que fizemos...ou quase, pois fizemos em um só dia, só no sábado mesmo.
Considerações sobre Mochila Leve (pack light):
Vocês leram acima o relato desta pequena aventura Pack Light que eu chamo, em português, de Carga Leve. Os americanos até falam "pack light, walk fast", eu acho que uma boa tradução seria "carga leve, passo rápido"! Foi o que fizemos! Eu venho investindo em material cada vez mais leve na montanha, com comidas mais leves e práticas e usando um fogareiro a álcool que eu mesmo fiz (graças ao YouTube!!). Seria temerário testar todo este sistema sem ter um back-up, ou seja, se alguma coisa desse errado com este novo material, ficaríamos em maus lençóis. Por isso levei alguns agasalhos a mais e um fogareiro de reserva. Eu venho usando o Pocket Rocket da MSR, que já é bem leve, porém, junto com o botijãozinho de gás, ele fica bem mais pesado do que um fogareiro a álcool com 70 ml de combustível. Este fogareiro feito por mim é bem mais leve, mas eu tinha minhas dúvidas se ele seria suficiente para realmente cozinhar ou se só serviria para esquentar a água e fazer comida liofilizada. Depois que vimos, lá no Rebouças, que o equipo funcionava bem, pedimos aos amigos do CE Guanabara para levar de volta uma sacola contendo este material de reserva. Desta forma levamos para a travessia só o material extra-leve. Por exemplo, a barraca, da marca Big Agnes, pesa 1,1kg ao total, ou seja, pouco mais de 500g para um de nós.
Considerações sobre planejamento (e o que pode dar errado!):
Já ao planejar o feriado, eu e Carla (minha esposa) percebemos que poderíamos super aproveitar o feriado e ainda comer muito bem lá no refúgio, pois o carro, a princípio, chegaria até o Rebouças. Se houvesse algum excedente de comida ou de agasalhos, poderíamos deixar no carro. Este seria conduzido, na volta para o Rio de Janeiro, pela própria Kate, já que eu e Carla faríamos a travessia até Mauá e voltaríamos de ônibus. Um pequeno probleminha aconteceu quando, na portaria, nos disseram que a estrada estava muito ruim e que não seria bom ir até o refúgio de carro. Já era umas 18h de quinta e preferimos forçar a barra. O carro chegou até o Rebouças, descarregamos nossas cargueiras e mais um material de "conforto", ou seja, comidas e agasalhos que abandonaríamos quando fôssemos para a travessia. Para resumir, chegamos ao Rebouças, forçando um pouco o carro e tendo então um material super leve de acampamento e mais um material normal, leve, de reserva. O problema foi que, quando a Kate desceu com o carro e chegou no Registro, ela percebeu que o carter do motor tinha furado e o carro, obviamente, tinha perdido o óleo. Não foi possível usar mais o carro, o que estragou a viagem da Kate e ela ainda ficou com pepino de consertar o carter lá em Itamonte. Acho que a Kate e o Pedro tiveram mais emoções do que a gente, imagina, um conserto deste em pleno feriado. Eu e Carla estávamos no Rebouças e não pudemos ajudar em nada. Ou seja, planeje bastante, pois sempre tem algo para dar errado!
 
Fonte:
http://www.carioca.org.br/blog/posts/agulhas-prateleiras-travessia-p-maua-2-dias-sem-querer