do passeio-de-mao-dada ofertado por agências. Assim, encarei a parada sozinho - munido apenas de bússola e uma info prévia - apenas pra ter 2 certezas: q a Travessia dos Lençóis, saindo de Barreirinhas e finalizando em Sto Amaro, requer apenas disposição, já q é uma caminhada de 65km percorridos em 3 dias árduos mas q não oferece maiores problemas de navegação; e constatar tb q o local realmente faz jus aos adjetivos q lhe são dirigidos.

DE SÃO LUIZ À BARREIRINHAS
Saí de São Luiz bem cedo da rodô c/ destino novamente p/ Barreirinhas. Novamente? Pois é, apos navegar o Delta, chegar em Tutoia, passar por Caburé e velejar o Rio Preguiças, cheguei em Barreirinhas já c/ gdes amizades formadas durante td aquele trajeto. Sacumé, laços mochileiros sempre se estreitam em trechos comuns e demorados. Ainda + se forem mulheres(rs). Foi o meu caso, pois poderia ter imediatamente feito a travessia naquele instante, mas como a galera formada tava tão legal, optei por curtir baladas em São Luiz e depois retomar meu plano de travessia, afinal Barreirinhas dista apenas 250km de São Luiz e a passagem não era tão cara. Bem q tentei convence-las a me acompanhar na empreitada, sem sucesso! "Vc é louco em cruzar isso a pé!", diziam, alegando q tb não tinham condicionamento físico pra tal.
Voltando à vaca fria, me despedi da mineira Rosa e da francesa Danielle na Pousada Alcântara - um muquifo barato e decente localizado no Cto Histórico - e me encaminhei p/ rodoviária, onde tomei o busao das 8:45 com destino Barreirinhas. O trajeto é um porre, sem maiores atrativos a não ser as incontáveis planícies forradas de carnaúbas, babaçu, buritis, mangas e alguns riachinhos. A paisagem verdejante vai lentamente se mesclando ao de areial, q emoldura as poucas choupanas e casinhas de palha q pipocam aqui e acolá. Algumas paradas - em Bacaubeiras, Rosário e Morros - no trajeto me acordam de agradável soneca apenas p/ constatar q o busao vai lotando aos poucos e não tem limite de passageiros, c/ muitos locais em pé, cheios de sacolas de compras. Sempre atento às placas e anúncios pois eles são reflexo da cultura local; me chamam a atenção a "Caninha do Engenho", o refri "Psiu", "oficina de cabelo", "Guaraná da Amazônia", "vende-se suquinho" e a EM Jose Sarney. Porem, nada mais hilário ao ouvir a gritaria das mulheres do coletivo ao saber q havia uma elétrica barata tb entre os passageiros, de carona, claro!
Por conta das inúmeras paradas, chegamos em Barreirinhas às 13:15 sob um sol e calor da peste! Barreirinhas é uma cidadezinha pequena q não oferece dificuldade de orientação, pois td se concentra basicamente em sua Rua/Avenida principal, onde o busao finalmente parou. Comprei mantimentos p/ 4 dias numa padoca e me abasteci de agua. Quis tomar alguma coisa gelada antes, mas so havia o "Guaraná Jesus" - a bebida mais tomada no Maranhão - e mandei ver assim mesmo. O liquido é um cor-de-rosa chocantemente cristalino e seu sabor hiperadocicado é único, um misto de guaraná, canela e xarope. Na seqüência, bastou andar pela rua principal rumo à balsa do Rio Preguiças, não muito longe dali, sentido oeste, onde cheguei em menos de 10min.

RUMO ÀS DUNAS
Na beira do manso Rio Preguiças, aguardei algum veiculo chegar p/ ir junto na mesma balsa ate a outra margem. Nada. Mas havia um barqueiro q cruzava gente sem veiculo como eu, e foi nele q embarquei. De graça. Já do outro lado, comecei efetivamente a travessia pela sinuosa estradinha de areia sentido noroeste, rumo às dunas, ainda distantes quase 12km.
Passei inicialmente pelo vilarejo de Sto Antonio - q se resumia a algumas casas - e uma guarita do IBAMA onde as excursões de agencias devem sempre parar. Pra minha surpresa, andarilhos solitários como eu passam batidos, sem sequer me pedirem nada. Os guardinhas apenas acenaram e nada mais. Não demorou e logo me vi sozinho, num caminho de areia retilíneo sem-fim em meio a vegetação arbustiva, um misto de caatinga/restinga. Parecia um tapete verde-claro sendo cortado por um risco branco! Como se o sol forte já não bastasse, ainda havia a estrada de areia fofa em si, q tava escaldante de tão quente. Mesmo andando de chinelao de dedo, a dificuldade em caminhar ali era real. Fiquei imaginando como seria entao andar nas dunas!? Uma dica é seguir as marcas de Toyotas deixadas pelo caminho, bem mais firmes e compactas p/ pisar e andar.
Há apenas duas bifurcações no percurso: primeira à direita, beirando uma cerca; e a segunda à esquerda. Em ambas me guiei pelas mesmas marcas de veículos deixadas, afinal os únicos q circulam e conseguem vencer o areial são as possantes Toyotas das agencias de Barreirinhas q levam turistas (diariamente, pela manha e no começo da tarde) às dunas e lagoas próximas da cidade. E elas não tardaram em aparecer. Enquanto eu me matava caminhando, algumas passavam do meu lado e os turistas - empolierados em tabuas/assentos dispostas na caçamba da mesma, carinhosamente chamadas de "pau-de-arara" - me olhavam perplexos. Vontade de pedir carona não faltou, mas tava resoluto a chegar às dunas a pé, mesmo com todas as adversidades acima mencionadas.
O tempo foi passando, o sol da tarde fritando meus miolos e tostando minha pele, e o cansaço já pegando. No caminho, paro pra conversar c/ 3 criancas q tavam ali, no meio do nada, pegando algo dos arbustos rente à estrada. Rosilda, Raimunda e Larisa coletavam sacolas de muriqui, frutinha pequenina q tem um leve gosto de maçã. Na seqüência dei continuidade à minha camelação às dunas, ainda não visíveis na planície de arbustos q parecia não ter fim. Faltando quase tortuosos 5km eis q uma das Toyotas parou do meu lado e me ofereceu carona. Não pensei duas vezes, nem tampouco de rogado e me acomodei na caçamba, atrás dos últimos turistas, e lá fomos nós! O resto do trajeto foi ate q emocionante, já q o motora pisou fundo e com destreza impar no volante vencia o areial - que + parecia um purê de batatas - com muito sacolejo, solavancos e remelexo, no melhor estilo off-road! Como não tava sentado comodamente tal qual os demais passageiros e sim acomodado na lataria, tive q me segurar firme pra não meter a cabeça no teto ou ser arremessado pra fora do veiculo! Após cruzarmos algumas pequenas lagoas no meio do caminho - c/ água quase na altura da caçamba - e passarmos por uma rústica ponte, já podiamos avistar no fim da estrada, ao longe, a pontinha de "morros" ora dourados ora claros cada vez mais proximos. Estávamos chegando nas dunas!
Por volta das 16hrs chegamos no final daquela precária estradinha, q coincidentemente é onde a vegetação termina e começam efetivamente as dunas - isto é, os Grandes Lençóis - onde estavam todos os veículos q passaram por mim, estacionados ao pé de um enorme morro de areia dourada. Não havia necessidade de guia nem nada, bastava seguir as pegadas na areia dos demais turistas. Duna adentro e subindo a primeira delas, levemente inclinada, o horizonte se abre por completo p/ contemplar uma paisagem surreal q me acompanharia nos dias seguintes: um "mar-de-morros-ondulados" feitos da mais fina areia, de colorações q iam desde o branco total aos mais diversos tons de ouro imagináveis! Pra completar esse panorama de puro deslumbramento, alguns espaços entre as dunas estavam preenchidos com lagoas cujas tonalidades variavam do verde-esmeralda ao azul-turqueza, contrastando exoticamente da claridade daquele areial-sem-fim q se estendia ate onde a vista alcançava! Olha, já vi dunas em Floripa, Itaúnas, Mangue Seco e Jeri, mas aquilo lá diante de mim superava qq termo superlativo q ate entao pudesse conceber. Simplesmente impressionante! Foi aí até q bateu um medão real e concreto da empreitada q estava resoluto a fazer: "Não seria muita areia - literalmente - pro meu caminhãozinho cruzar isso aí, sozinho?", pensei. Temores à parte, esqueci o cansaço, o calor e fiquei ali um tempão apreciando, hipnotizado, aquela paisagem lunar , p/ continuar a caminhar pela mesma, seguindo as pegadas ou os vários turistas q ali se encontravam.
As excursões de Barreirinhas vão sempre a um mesmo local: p/ Lagoa Azul e à Lagoa do Peixe, próximas uma da outra. Como era inicio de "inverno maranhense" (janeiro é estação de chuvas por lá) as lagoas estavam começando a encher. Contudo, a famosa Lagoa Azul estava totalmente seca, razão pela qual bastou descer pela areia fofa de onde estava e caminhar pelo enorme espaço deixado pela lagoa seca, já em chão bem mais firme e compacto, onde alguns tocos de madeira e restos de troncos dispersos são prova de q aquilo já foi um exuberante mangue. Lagoas secas sempre tem uma vegetação rasteira de gramíneas/capim ralo q cresce c/ o inicio da pluviosidade, mas o q me chamou a atenção foram pequenas poçinhas dágua c/ girinos(!?), cujos ovos são enterrados na época seca e eclodem ao menor sinal de agua.
Caminhando ate o fim da enorme lagoa seca, logo há de se subir a duna seguinte p/ desce-la em seguida, e andar novamente por outra pequena lagoa seca, sempre seguindo as pegadas deixadas (ou seguir sentido noroeste), bem obvias e evidentes. Olhando pra noroeste/norte ate sudeste a visão das dunas, de contornos suaves e abaulados, salpicadas de pequenas lagoas represadas; já pro sul/sudoeste ainda avistamos a faixa verdejante de restinga q limita so Grandes Lençóis.

NA LAGOA DO PEIXE
Nem 10 min de pernada nesse sobe/desce e logo alcanço a Lagoa do Peixe, uma enorme lagoa perene aos pés de majestosas dunas, onde parece q todos os turistas estão concentrados, refrescando-se ou nos arredores. O local é muito bonito, mas a farofada geral não impediu q me viesse à mente a muvuca do "Piscinao de Ramos", no RJ. Claro q a comparação é injusta, pois o local era paradisíaco, e limpíssimo. Joguei a mochila num canto e fui me refrescar nas águas da lagoa, q recebe este nome pq diziam ter peixes, mas não vi nada a não ser girinos. A profundidade me impressionou, pois a água ia um pouco alem da cintura. Destaque p/ belas flores aquaticas e alguma vegetação q finca suas raízes no fundo e permanecem balançando à tona, ao sabor do vento.
Com girinos ou não, a água - ao menos pra mim - é + q potável e abasteci minhas garrafas. O resto da tarde fiquei ali, curtindo aquele local, ora descansando, conhecendo os arredores, conversando c/ gringos ou coletando infos c/ os guias, q permanecem com os grupos p/ apreciar o por-do-sol, q diziam ser fantastico. No entanto, por ser verão o céu se tingiu de nuvens antes do crepúsculo, obrigando as excursões a retornarem sem apreciar o famoso espetáculo. Assim, antes das 19hrs e enquanto todos iam embora, retomei a pernada apenas p/ buscar um bom local p/ acampar.
Em pouco tempo me vi sozinho. Eu e o vazio. Caminhei pelo alto das dunas q ladeavam a Lagoa do Peixe e, mais adiante, passei a bordejar outras lagoas menores, ladeadas ainda por alguma restinga. Sempre em suave sobe/desce, sentido noroeste, terminei decidindo pernoitar do lado da ultima gde lagoa q encontrei, aos pés de uma duna mediana mas não muito proximo dela, porem protegido do vento. Saber montar a barraca voltada de costas p/ duna é fundamental, pois o vento rasteiro sempre carrega muita areia, e se deixar a entrada (tela) voltada pra duna em pouco tempo o interior se encherá de areia. Eu q o diga.
Devidamente instalado, preparei minha janta c/ um sucão e adormeci antes mesmo de escurecer totalmente, pois o dia sgte seria bem puxado. A noite fora tranquila e foi ai q lamentei trazer o saco de dormir, totalmente dispensável! Estava quente, porem agradável, bastava apenas o isolante. Impressionates foram as esporadicas ráfagas de vento: eventualmente sentia o dedilhar/tilintar de montes de areia sendo arremessados nas laterais da barraca pelo vento! A impressão q dava era estar numa tempestade de areia, com a armação da barraca remexendo bruscamente a cada forte ventania! Certamente se estivesse de frente p/ duna teria acordado coberto de areia!

PERNADA DE MADRUGADA
Pra não pegar o forte sol da tarde e render na caminhada, resolvi compensar pernando bem antes de amanhecer. Acordei antes das 4 da madru, tomei café e levantei acampamento, com tempo bastante ameno e alguma brisa vinda do norte. O destaque, porém, nao foi o céu limpo e estrelado, e sim a maravilhosa lua cheia q iluminava a paisagem diante de mim; as outrora ondulações de areia douradas agora eram espetacularmente prateadas, de perder a vista!!! Com perfeita visibilidade e visu + q inspirador, comecei a andar, deixando lentamente as lagoas e a faixa de restinga la pra atrás. O belo brilho da lua refletido em laminas de agua dissiparam meu receio de não achar o precioso liquido naquele dia, pois carregava quase 4L de água caso no trajeto td estivesse seco. Joguei fora, permanecendo apenas c/ a garrafa básica de 1,5L q levo permanentemente.
Com os temores se dissipando tal qual pegadas na areia e cada vez + confiante, continuo minha jornada noturna duna adentro, sob belo luar maranhense. Basta tb 1 hora de caminhada no deserto p/ vc pegar o "jeito" menos desgastante e + produtivo de avançar naquele local, q tem sempre a mesma paisagem, não dispõe de trilha e nem sequer referencia visual. Como meu destino naquele dia eram os "oásis" de Baixa Grande ou Queimada dos Britos - distantes quase 30km - teoricamente bastava seguir sentido norte/noroeste, descontada a declinação magnética básica, claro! Qq perdido eu certamente chegaria no mar, q é de onde sempre sopra o vento, e isto pode ser constatado atraves do formato das dunas: a "barriga" levemente inclinada sempre será o norte/nordeste! Assim sendo, bastava subir o alto de uma duna, checar a bússola, e traçar uma linha imaginaria ate norte/noroeste q seria meu destino e pra la seguir. E assim sucessivamente. Mas em função dos obstaculos (lagoas e dunas altas) logicamente q nunca se anda em linha reta: qdo cheias e fundas, as lagoas devem ser contornadas pelo lado menos íngreme da duna; qdo secas as atravessava direto. As dunas, por sua vez, sao firmes, compactas e boas pra caminhar na barriga e no alto, ou seja, do lado q sopra o vento; já do lado íngreme, oposto ao vento, é fofa demais e quase impossível de encarar subir de frente, mas pra descer é uma delicia pois se afunda o pé inteiro, quase ate a canela! Ah, embora o ideal fosse andar descalço ou de papete, eu particularmente caminhei perfeitamente de bota mesmo, afinal terreno firme não faltava e assim se avança bem + rápido, sem receio de pisar algum objeto estranho, principalmente nas lagoas secas, cheias de farpas e toquinhos de madeira. O dose era ter de remover toda vez a areia qdo se desce pela parte íngreme da duna, afim de atravessar direto as lagoas secas sem ter de contorna-la. Assimiladas estas "manhas", foi so colocar pé-na-areia e ir checando a bússola a cada 5/10min, sem desviar muito de minha reta imaginaria.
Caminhar de madrugada é fantástico não so pelo rendimento maior, mas tb pelo visual do manto negro do firmamento repleto de estrelas, algumas delas ofuscadas pela beleza da lua cheia reinante. Mesmo assim, 1 hora de pernada bastou p/ me deixar completamente encharcado de suor. E assim prossigo naquele mesmo ritmo inabalável, ditado apenas pelo terreno q se apresenta aparentemente o mesmo, mas q está em constante mutação. Afinal, as dunas nunca são as mesmas de um dia pra outro; avançam, somem umas, aparecem outras, retrocedem e, conseqüentemente, ditam o formato das lagoas, algumas desaparecem dando origem a outras, ou simplesmente acabam sendo interligadas, umas c/ outras. Carta topográfica aqui não faz sentido.

AMANHECENDO
Quase 2hrs depois e no alto de uma duna, faço uma pausa p/ descansar, beliscar alguma coisa e apreciar o sol nascer atrás dos morros alvos à leste. Show de bola! A escuridão lentamente se dissipando, dando lugar a um céu tingindo-se gradativamente de tons escarlates e, conseqüentemente, iluminando àquela paisagem em tons cada vez mais vivos q são reforçados no reflexo das lagoas presentes! Mas o tempo de contemplação não deve se estender, afinal, já já o sol aperta, portanto, pé-na-areia!
Continuando inipterruptamente nesse sobe-desce-duna-contorna-atravessa-lagoa, e agora com iluminação suficiente é possível observar particularidades na paisagem desapercebidas de madrugada. A medida q minha enorme sombra vai se encolhendo, posso observar a textura ondulada das dunas - quase q totalmente simétrica e homogênea - lentamente sendo modificada pelo vento rasteiro, q carrega finos grãos de quartzito constantemente. As vezes o vento sopra + forte em rajadas, fazendo com q a areia "pinique" as canelas e sejam um incomoda, mas a grosso modo o vento se limita a brisas suaves e bem-vindas. Outro detalhe é o silencio generalizado, perturbador até, q só é quebrado pela minha respiração ofegante ou qdo eu amaldiçoava a areia por ter entrado bota adentro..
A luminosidade incipiente tb torna as dunas claras, tendendo ao branco cada vez mais intenso. E contrastando com a superfície é possível ver sinais de vida - não necessariamente selvagem - naquele local aparentemente inóspito. Pegadas de aves ou cavalos, e diminutos dejetos de bode são quase uma constante! E de repente, eis q um rebanho errante deles surge na vastidão de areia, nos remetendo ate a uma cena bíblica qq. Soltos, eles passam o dia comendo o capim das lagoas secas. As lagoas secas, por sinal, são o maior reduto de vida por incrível q pareça. Era la q sempre ouvia alguma ave reclamar diante minha aproximação, principalente a caburé, uma corujinha q faz sua toca no chão. Haviam tb carcarás, maçaricos e quero-queros. E piningas, uma espécie de tartaruguinha, da qual vi apenas o casco rente a algumas outrora lagoas.
Às 9:30, mais um dos vários pit-stops q me reservei por conta do cansaço e do calor, desta vez ao lado de uma belíssima lagoa verde-azulada ao pé de uma enorme e alva duna. A coloração das lagoas - cristalina, azul ou verde - depende exclusivamente do tipo de vegetacao e lodo depositada no fundo. Haviam ate pequenos peixinhos q fugiram qdo mergulhei nela pra me refrescar. Um tchibum + q merecido.

SEU OSMAR, CAÇADOR DE PORCOS PERDIDOS
Prosseguindo a pernada naquele ritmo imutável, lentamente o cansaço vai se fazendo sentir. Vontade de parar a cada 10 min não faltam. O calor é realmente causticante e a areia vai tornando-se cada vez mais abrasiva, mas tenho um objetivo naquele dia. Nessas horas procuro esquecer o cansaço ocupando a mente com outras coisas ou simplesmnete cantando em voz alta, afinal, ninguém ta ali p/ reclamar do desafinado q sou. A constante "mesmice" da paisagem é perturbadoramente bela, porem a presença constante de bodes aqui e acolá torna a pernada menos monótona: dou nome aos bodes q cruzo, particularmente àqueles q seguem na mesma direção minha, apenas p/ fins de distração.
Lá pelas 11hrs, no alto de uma duna e conferindo pela centéssima vez a bússola, ao tracejar meu rumo imaginário naquele horizonte ondulado eis q avisto outro andarilho solitario numa lagoa seca, não muito longe, à leste!!! Não titubiei de ir em seu encontro, pois era minha oportunidade de saber se estava indo na direção certa!! Desviei do meu curso e desci apressadamente - e torpe tb - a duna, atravessei duas lagoas secas e contornei outra cheia q havia no caminho, ate alcançar o outro extremo da lagoa seca na qual vi o andarilho, q tb estava acompanhado de um cão esquálido. Gritei p/ ele p/ q me esperasse e fui ao seu encontro. Era seu Osmar, um tiozinho desdentado de Buriti Grosso - pequena vila quase 20km ao sul - trajado bem simples, roupas em frangalhos, bolsa no ombro com água. Devia ter 60 anos mas aparentava + devido à vida dura. Estava ali desde cedo c/ + 3 colegas espalhados pelo deserto tentando buscar/juntar seus bodes e porcos(!?). Me disse q td mundo solta seus rebanhos (incluindo vacas, jegues e bois) no deserto pra pastarem livremente nas lagoas secas, pq não tem condições de mante-los presos e seus locais de origem. Depois tem a árdua tarefa de ir busca-los, pq senão eles ficam por la mesmo e, diferentemente de cães e gatos, eles não retornam p/ casa. Por incrível q pareça, eles sabem reconhecer qdo um bode pertence a ele e não à outro rebanho, só não me pergunte como. Deve ser a mesma argúcia com q enxergava diferenças entre as dunas, q pra mim são simplesmente iguais. Coisas de gente do deserto. "Mas de vez em qdo tem um caboclo ruim q pega um bode q não é dele e come!", emenda. P/ minha felicidade estou no sentido correto, e a direção q devo prosseguir apontada por ele confere com a marcação minha reta imaginaria!! Uffaaa! Qto à kilometragem q falta ele responde, convicto: "Ta pertinho, apenas 3hrs ate lá!" Esqueci q aqui as distancias não se medem em kms e sim por tempo.. Me despedi de seu Osmar e continuei a jornada.
A tempo passa e a pernada torna-se mais fácil: as dunas são cada vez + baixas, os espaços são cada vez + amplos e as lagoas secas vão se interligando, formando uma espécie de "avenida" em meio àquela vastidão ondulada. E o cansaço pegando..A luminosidade das dunas é intenso, e como não uso óculos escuros, me resigno a caminhar com os olhos encolhidos, franzindo a testa. Como a coloração da areia depende da incidência dos raios, a paisagem é totalmente branca; já ao entardecer as dunas tornam-se douradas. Felizmente, por volta do meio-dia e sol a pino, já consigo avistar a noroeste pontinhos escuros em meio ao areial, q são nada mais o inicio da faixa de restinga arbustiva de Baixa Grande!! Graças a Deus! Embora tenha contato visual, as distancias no deserto enganam e chegar ate la leva ainda um bom tempo! Desgastado pelo sol, caminhando trópegamente c/ areia acumulada nas botas molhadas, dor nas costas e a parte superior das coxa c/ incomodas assaduras fazem com q pare por um bom tempo antes de chegar em meu destino. À beira de mais uma lagoa, tomo mais um refrescante banho e ter um tempo de relax. Uma leve brisa surge p/ amenizar o calor enquanto belisco algo e beberico um suco.

NO "OASIS" DE BAIXA GRANDE
Às 13:30, após meia hora de pernada e um breve banho (não tem jeito, o calor pede!), alcanço a beirada do "oásis" de Baixa Gde. Subo uma duna mediana apenas p/ ter uma panorâmica desta "ilha verde" em meio a paisagem monocromática do deserto: uma larga faixa de restinga verdejante contrastando c/ a areia, arbustos medianos de galhos retorcidos, salpicada de pequenas dunas e lagoas de água cristalina, um verdadeiro "oásis"!! Mas pra q lado seguir, sendo q não avistava nenhuma casa ou sinal de civilização? Continuei atravessando o oásis sentido noroeste ate q topei com uma precária estrada de areia q seguia p/ norte, acompanhando td a extensão de vegetação. Se tem estrada deve dar em algum vilarejo, não?
Continuei não mais q 10min pelo caminho ate q cheguei na "vila", q se resumia a umas 5 casas de taipa onde apenas 4 familias vivem ao pé de frondosos coqueiros, uma boa referencia p/ achar o local. Apesar de simples, eram bem organizadas, com uma cerca bem rustica de galhos de cajueiros e mirins, roçado, pomar e ate um jardim! A presença abundante de arvores baixas funciona como cerca viva, impedindo as casas serem engolidas pelas dunas. Mal me aproximei p/ pedir informações e uma simpática senhora, Dna Maria, me convida insistentemente p/ entrar tomar água e descansar. Não recuso, lógico! O interior da choupana, com teto forrado com palhas de buriti, não poderia ser mais simples. Forno a lenha estilo casa-de-farinha, redes espalhadas por todo lado servindo de sofá, e ausência de portas ou janelas, permitindo patos, galinhas, cabritos, gatos e cachorros terem transito livre no interior. Sento na única cadeira disponível apenas p/ me sentir no programa "Roda Viva": o pessoal dos oásis não deve ter visitas regulares q andarilhos como eu despertam-lhe a atencao, tanto é q aos poucos foi surgindo mais e mais gente q se juntava na entrada da casa, principalmente jovens e criancas!! Dna Maria dizia q ela cuidava da família enquanto os homens da casa iam pescar no litoral, quase hora e meia dali, numa espécie de nomadismo sazonal. A pesca é favorável apenas no "inverno"; já na época de secas dedicam-se somente a criação de rebanhos e vivem do q plantam, produtos como macaxeira (uma mandioca + macia),milho, arroz, feijão, etc. Luz elétrica, nem pensar. Lamparinas estão espalhadas por todo canto. E água retiram das inúmeras lagoas ou de simples bombas manuais. Perguntei da "estrada" pela qual viera e Dna Maria diz q ela raramente é usada em janeiro. Na época de secas, o prefeito de Sto Amaro vai ate ali de Toyota deixar produtos encomendados p/ eles passarem o "inverno", pois a estrada tornava-se intransitável na época de chuvas. Ou seja, estavam literalmente isolados do resto do mundo, o q explica em gde parte a curiosidade e extrema hospitalidade c/ estranhos como eu. "E qdo alguém adoece?", perguntei. Pra isso ela tinha toda sorte de receitas q beiravam o curandeirismo natureba, se valendo do q estivesse à mão: sebo de bode, oleo de mamoma, caldo de mucura, etc.. Pros males do outro mundo tem o "sino de salomão", uma figura geométrica desenhada no piso, logo na entrada da casa. No entanto, ao mencionar o prefeito, Dna Maria não perdoa: "Prometeu muita coisa, mas melhorar q é bom, nada.." Pois é, tem coisa q não muda seja onde for.
Depois de tão agradável prosa e dois goles de café irrecusáveis, sinto q já estou descansado o bastante p/ continuar a pernada p/ proximo oásis, distante apenas 5km dali, Queimada dos Brito. Dna Maria ainda insiste p/ q eu pernoitasse ali, e q havia espaço de sobra entre as redes da sala (detalhe: 2 bebês dividiam a mesma rede). Agradecido, recuso sua tentadora oferta, mas tava resoluto a avançar mais naquele dia deveras cansativo.

MORRENDO NA PRAIA
Seguindo as instruções de um dos filhos de Dna Maria, as 15:30, cruzo um pequeno riachinho, contorno uma duna e logo estou deixando Baixa Grande. Dali mesmo já consigo avistar meu destino, a noroeste: uns "matinhos" despontando no horizonte. E dou prosseguimento à pernada atravessando varias lagoas secas e cortando caminho subindo/descendo dunas medianas. Apesar do trajeto ser bem mais amplo e fácil q o feito pela manha, o cansaço acumulado se faz sentir e os meros 5kms parecem não terminar nunca! Na metade do trajeto eu já parecia andar mais pro inércia, apenas norteado pela necessidade de chegar nos "matinhos", cada vez + próximos. Neste trecho passo por uma lagoa seca bem bonita, onde arvores secas retorcidas inteiras mais parecem esculturas em meio ao deserto, remanescentes do q já foi um mangue q foi soterrado! Contudo, a esta altura do campeonato pouco tempo dispenso p/ contemplações. Quero chegar logo em meu destino e la comemorar o final de dia, com cerveja, se possível!
Chegando, enfim, proximo dos matinhos eis mais um agradavel obstáculo, o manso e largo Rio Negro, curso dagua q atravessa perpendicularmente todos os Lençóis ate desaguar no mar. Jogo a mochila no chão p/ testar a profundidade (e ter um banho, claro!) e nado ate o outro lado, com água ate o pescoço, felizmente! Atravesso-o novamente - desta vez equilibrando a mochila na cabeça - apenas tendo cuidado em não pisar no lodo escorregadio ou galhos pontiagudos, e finalmente alcanço a outra margem, ao pé de uma enorme duna. Como se a camelação nao tivesse fim, ainda tenho q subir uma duna íngreme p/ alcançar definitivamente meu destino. Não é bem subir e sim escala-la! Não havia outra maneira de avançar, ou se houvesse não vi. Escalar a desgraçada de frente é patético e exaustivo à beça: dá um passo e retrocede dois! O jeito foi subi-la em diagonal, mas mesmo assim alcancei o alto de seus 20m quase me arrastando!
No alto da duna, minha decepção. Kd a "vila" de Queimada dos Britos? Em Baixa Gde me informaram q era bem maior, mas de onde estava só avistava a linda paisagem do "oásis", dunas, lagoas e muita, muita vegetação arbustiva! Uma versão maior do oásis anterior! Sinal da vila, nenhum. Certamente teria q procura-la mas estava no limiar de minhas forças, extremamente cansado, sem condições de buscar a vila alguma. Caminhava desde as 4 da madru e se desse mais um paso era bem provável de aparecer uma tela azul na minha frente acusando minhas pernas de executarem uma operação ilegal e provavelmente travariam.. Dane-se a vila e a cerveja!
Assim sendo, 17hrs decidi acampar aos pés daquela enorme duna, porem do outro lado e ao pé de uma bela lagoa. O céu naquela altura se tingiu de nuvens escuras carregadas e novamente não vi por-do-sol nenhum. Duro foi armar a barraca pq começou a ventar consideravelmente, e duro tb foi remover a areia q entrava a td hora dentro dela. Enquanto preparava meu tradicional miojao, ouço vozes próximas proveniente de dois garotos de bike indo em direção ao rio. Eram de Queimada dos Britos - q distava dali uns 15min, segundo eles - e tavam indo pescar na praia. O som de trovões ao longe faz com q use - pela primeira e única vez na viagem - o sobreteto p/ chuva da barraca. Não tive muito trabalho p/ cair no sono - tambem pudera - e já sonhava com os anjinhos antes mesmo de escurecer totalmente, antes das 19hrs.

AGORA SIM, NO OASIS QUEIMADA DOS BRITOS

De madrugada começou a chover inipterruptamente. Felizmente o sobreteto tava bem firme pq chovia com vento forte. Contudo, foi inevitável q começasse a pingar aqui ou acolá no interior da barraca. Porem, meu cansaço e sono eram indiferentes a este detalhe, e so percebi isso ao acordar umido na manha seguinte, as 6:00hr. As paredes estavam totalmente úmidas e havia pequeninas poças com areia dentro. Chovia la fora e fiquei aguardando parar p/ poder começar a pernar naquele dia, enquanto aproveitei p/ tomar café e dar uma limpada no interior.
Um tempão depois e, ao ver q a chuva parecia não dar trégua, resolvi levantar acampamento à contragosto, já q iria carregar o dobro do peso naquele dia: eu q me preocupava em comer td q levava a fim de aliviar peso, levaria desta vez a barraca molhada e muita areia a tiracolo. Ao desmontar minha tenda, fiquei surpreso com a lagoa do meu lado, q aumentara consideravelmente de volume quase alcançando minha barraca! O mesmo pras lagoas nos arredores! Incrível como a chuva e os ventos transformam subitamente a paisagem aqui!
Com a chuva fustigando meu rosto, percorro paralelamente as dunas rente ao rio, contornando as matacoes e dunas mais altas, seguindo o sentido indicado pelos jovens, o dia anterior. Mas ao subir uma duna p/ ter uma panorâmica, apenas avisto um maravilhoso e enorme tapete verdejante de arbustos/arvores baixas salpicado de lindas lagoas azuis. Nem sinal da vila, portanto teria q me enfiar ali e procurar. Mas q direção? Pra complicar, minha bússola tava molhada e não funcionava. O jeito foi seguir intuitivamente pelas dunas enormes paralelas ao oásis, e depois de subir/descer algumas consegui entrar no mesmo por uma brecha entre no emaranhado de arbustos, sem cair em alguma lagoa funda.
Ali, consegui avistar muitas trilhas se entrecruzando sentido oásis adentro. Totalmente perdido, decidi seguir as trilhas q seguiam pro oeste, pois algumas levavam apenas à lagoas maiores. O bom daqui é q ta repleto de cajueiros e miris e o chão forrado dos mesmos complementou meu mirrado café da manha. A esta altura a chuva cessara, mas isso não impediu q tivesse q atravessar laminas de água ate as canelas e muitos campos encharcados. Cada vez + no interior do oásis, noto q algumas trilhas agora tornam-se mais largas e me guio por elas. Ironicamente, é mais difícil se orientar dentro dos oásis q no deserto. Subo uma duna maior p/ ter uma geral dali, e finalmente avisto ao longe um telhado vermelho, do lado de uns coqueiros, e é pra la q me dirijo em linha reta, contornando as matas e bordejando as lagoas do trajeto.
Ao alcançar a casa - as 8hrs e com a chuva retornando - um senhor me convida sem ceremonia p/ entrar. Tal qual Dna Maria, Seu Jose Domingues é extremamente cordial e hospitaleiro c/ forasteiros. Ele é pai dos 2 jovens q vira o dia anterior e me oferece café e bolachas. Em seguida, me brinda c/ uma tigela c/ camarões frescos enquanto me conta da vida dali, não muito diferente de Baixa Grande, c/ a diferença q em Queimada dos Brito mora + gente nas 25 casas espalhadas pelo oásis, e q ele é o único q tem eletricidade esporadicamente, vinda de um precário gerador. Tb tem suas queixas c/ o prefeito: "Prometeu trazer eletricidade, mas agora vem com a desculpa de q os postes podem ser engolidos pelas dunas!" O isolamento e as agruras do deserto tb são responsáveis pela união e pela solidariedade entre todos os moradores dali, e onde resistem como uma gde família. E de fato o são, uma vez q todos tem algum grau de parentesco. Contou q certa vez alguém adoeceu gravemente, colocaram a pessoa numa rede pendurada num pau, e em comitiva de parentes atravessaram o deserto ate Sto Amaro (6hrs dali), se reverzando qdo alguém cansava!! Seu Domingos foi muito gentil comigo, tanto é q deixei c/ ele mantimentos q tinha de sobra. "O que é isto? Como é q come?", perguntou qdo entreguei um pacote de miojo, sinal de q seu único horizonte eram as areias. Dele e de muita gente, pois haviam jovens q nunca saíram dali. O papo tava ótimo, Seu Domingues me deu ate um gole de "xoxota": um mix de cachaça, suco de morango, leite de coco, leite condensado, gengibre e açúcar. E eu q achava q o Guaraná Jesus era a bebida mais doce q teria ali. Antes de me entusiasmar e beber +, me despedi dele logo qdo q a chuva novamente passou.

SEM BUSSOLA E AGORA?
Seguindo as instruções dos filhos de Seu Domingues, cortei caminho pelas "morrarias" ou "serras" - como eles chamam as dunas - paralelas ao oásis p/ novamente entrar e estar em trilhas no meio do oásis. Atravessando arbustos e arvores baixas molhadas, alcanço a Queimada dos Lira e, logo a seguir, a Queimada dos Paulo, onde haviam mais casinhas simples c/ gente nos roçados. Todo mundo, sem exceção, pára p/ me ver. Coleto infos e prossigo, bem na hora em q a chuva torna a cair. Ao chegar nos limites do oásis e o deserto, procuro as marcas de trilha q deveria seguir (pois minha bússola ta pifada) e nada. Claro, a chuva havia apagado! E agora? Sem trilha e bússola?
Matutando em como sairia dali, volto pras casas de Queimada dos Paulo, onde espero a chuva passar. Pensei em ate contratar um dos locais p/ me acompanhar o resto da trip mas ai seria morrrer na praia. Esperança de carona era zero, pois realmente as chuvas detonavam as já precárias estradinhas ate pra possantes Toyota, e nem havia uma sequer ali, de acordo com os locais. Pra minha felicidade, um dos locais tinha q ir buscar uns bodes na direção de Sto Amaro, meu destino. Beleza, vou com ele e dali continuo sozinho o resto! E assim fizemos qdo a chuva parou, la pelas 11hrs!

A PERNADA FINAL
Eu e Neto passamos pelas ultimas casas de Queimada - na única estradinha de areia q tem - ate alcançar os limites do oásis com o deserto. Ate la tivemos q atravessar c/ água ate os joelhos muitas lagoas q simplesmente transbordaram no caminho. Neto colhia frutos nos arbustos como o jabiru e o mirim p/ eu provar, e olha q eram ate gostosos. Chato era um mosquitinho parecido com borrachudo, o marium.
Finalmente no deserto, começamos o já habitual sobe/desce/atravessa/contorna/lagoa. Por estar nublado naquele horario, a pernada estava tolerável e ate agradável. O q me incomodava em Neto foi somente a enorme peixeira q levava junto. "Pra que?", pensei, e imaginei q o cara ia me matar, roubar e me largar no meio do nada. Ele disse q podia ter "caboclo ruim" no deserto (!?) Ainda assim, não tirei os olhos daquela peixeira e deixei ele ir sempre na minha frente. Receios de gente de cidade grande.
Sempre sentido oeste/sudoeste e em ritmo firme e forte, paramos apenas uma vez p/ descansar e beliscar algo. O destaque deste trecho são as varias sondas desativadas da Petrobrás espalhadas pelas dunas, e uma pequena cobra q Neto quase pisou ao atravesarmos o pasto numa lagoa seca. De resto, a beleza das dunas e suas laminas de água reluzindo naquela tarde de nebulosidade clara valiam o preço daquela dura pernada. Por conta das chuvas, as lagoas aqui eram maiores e espaçadas, e as dunas eram mais fáceis de caminhar. Ainda bem.
Às 13:30 nos separamos; Neto seguiu p/ sul atrás de uns bodes ao longe mas não sem antes apontar a direção q eu devia seguir, sem desviar pra nenhum lado. E foi o q fiz, atravessando o deserto p/ oeste, já meio cansado e sentindo as assaduras novamente. Felizmente, minha bússola havia secado e voltava a operar normalmente. Estava no sentido correto. Meia hora depois, do alto de uma duna, meu corpo doído se encheu de alegria ao conseguir avistar no horizonte os matinhos q limitam o povoado de Santo Amaro. Agora havia apenas q chegar lá, o q me tomou quase 2 interminaveis horas! Ai resolvi seguir em linha reta mesmo, sem desviar de lagoa alguma. Subia e descia duna, e cortava pelas lagoas, secas ou não. As q estavam cheias felizmente naquele trecho eram bem rasinhas, mas como meu pé já tava detonado pelo atrito da areia c/ a bota molhada, a água ate veio em boa hora.
Cada vez + proximo dos matos q me guiavam, as lagoas q se interpunham no trajeto eram maiores e largas. Como não as contornava e sim as atravessava direto, apenas tomava a precaucao de não serem fundas avaliando a distancia ate a outra margem. Felizmente a mais funda chegou apenas quase ate a cintura. Foi ali, já quase no areial perto dos matos, q avistei sinais de trilhas deixadas por veículos e de bicicletas!! Ótimo, bastava segui-los. Varei a ultima lagoa, sob o protesto de varios carcarás, e coloquei pé na areia firme do q teoricamente era o limite de Santo Amaro. Arvores baixas, palmeiras, dunas, lagoas, etc.. o local é bonito, mas esta totalmente repleto de dejetos de bode forrando a areia.
Adentrando em terreno + amplo e plano, com mato aqui e acolá - sempre seguindo as marcas de veículos - contorno lagoas e algumas dunas forradas de arbustos ate chegar numa extensa planície de pasto encharcado. A trilha continua sentido oeste, passando a bordejar por um bom tempo uma enorme lagoa q se apresenta à direita, a Lagoa de Sto Amaro. Meia hora depois, e ladeado à minha esquerda por um extenso carnaubal, avisto pescadores retornando de mais um dia duro de batente, com os quais apenas tenho a confirmação q to no sentido correto e q não falta muito p/ chegar à vila. Extremamente exausto e não vendo a hora de tirar o peso das costas, o silencio da pernada é quebrado pelo alto som de forró aumentando atrás de mim. Uma Toyota repleta de pescadores locais vem pelo mesmo caminho q percorro e me oferece carona. Não recuso, claro, e os 5km restantes são feitos num divertido sacolejo, entre isopores cheios de gelo, tainha e pescada frescas, e embalados ao som do "Garoto Safado & Lagosta Bronzeada". Cheguei ao meu destino exatas 16:30.

SANTO AMARO DO MARANHÃO
Santo Amaro do Maranhão é uma vila cercada de palmeiras. Simples, dispõe de alguma infra, porem é bem menor q Barreirinhas. Ficou famosa recentemente pelo filme "A Casa de Areia" (c/ Fernanda Montenegro), q trouxe eletricidade ate ali. Mas mesmo assim mantem um charme e rusticidade; as ruas de areia do entorno contrastam com o pavimento existente apenas na "rua" principal, cercada de igrejinha, vendinhas, etc. O motorista da Toyota conhecia uma pousadinha barata e me deixou bem na frente. Não era só pousada, era "Restaurante & Hospedaria Fé em Deus", onde pechinchei meu pernoite por R$15. Devidamente instalado, tomei um banho demorado, tratei das malditas assaduras, comi uma suculenta galinha caipira e comemorei a empreitada com 3 cervejas, p/ somente depois atentar p/ preço caríssimo delas!
Ao anoitecer, dei uma voltinha pela vila afim de conseguir transporte p/ São Luiz. Lógico q ali não tem rodoviária, mas tem uma pequena agencia da Cisne Branco, empresa de bus do Maranhão, q ia ate a capital em 2 horarios: pela manha e tarde. Depois fiquei zanzando pela pacata vila, q se conehce em menos de 20min. Destaque p/ sem-numero de moscas e sapos q circulam livremente pelas ruas, alem de um curioso "trator-bus", meio de trasnporte coletivo q consiste num trator c/ reboque c/ assentos. Engraçado era ver os jovens motoristas fazendo pose - qdo estavam sem passageiros - tal qual a playboyzada na cidade gde, só q com um baita tratorzao. Hilário!
O cansaço e o sono me pegaram antes das 20hrs. No quarto, não bastasse o calor sufocante ainda haviam os pernilongos, q pela qtdade industrial q eles estavam presentes no recinto mais parecia praga egípcia. Felizmente, o "hotel" dispunha de ventilador e mosqueteiro, senão uma boa noite de sono seria impossível. Pior q td isso, era um forrozao rolando em alto som quase do lado.

CAMELANDO NA VOLTA
A Toyota me pegou na pousada por volta das 5:30 da matina já de péssimo humor. Queria tomar banho antes de viajar mas as torneiras estavam sequinhas, e falei um monte p/ cara da pousada. Tentei me animar com a perspectiva de ainda achar bus p/ SP ainda naquele dia e assim foi. O "pau-de-arara" estava vazio na caçamba e foi la q sentei, pois a cabine tava lotada. Assim, deixamos Sto Amaro por uma sinuosa e precária estrada de areia, q atravessava ora matas fechadas de restinga alta ora pequenas lagoas com água acima das rodas!! Aventura mesmo! Bem q tentei cochilar mas o sacolejo, a trepidacao e os constantes "chicotes" dos galhos úmidos no meu braço impediam qq tentativa de descansar. O jeito foi apreciar a alvorada dando cores àquela paisagem selvagem e agreste.
Às 7:30 e 35km depois alcançamos o rijo asfalto (MA-402), num ponto de apoio chamado Matoes, onde se fazia conexão ate São Luiz. Tomei um rapido café c/ tapioca p/ pegar o bus logo a seguir, onde desta vez consegui dormir ate chegar na rodô da capital maranhense, exatas 11hrs!!
Por sorte havia poucas vagas no busao p/ SP, as 14hrs. Infelizmente, revirando tds meus bolsos possíveis vejo q não disponho grana suficiente p/ passagem, faltando apenas R$20 p/ completar a dita cuja. O cx eletrônico dali não funcionava e se fosse p/ cidade sacar grana perderia tempo em condução, na busca de banco, etc. Não queria perder esse busao e + uma noite em São Luiz tava fora de cogitação, e agora? Pepinos extremos requerem medidas extremas, e já q durante a viagem me confundiram com riponga vendendo artesanias resolvi fazer jus à alcunha. Peguei as camisetas e souvenires q havia comprado p/ trazer de lembrança p/ família e passei a anuncia-los do lado de um vendedor de pitombas. Achei q minha breve profissão não renderia muito principalmente pela discrição q tinha em vender meus "produtos", mas não é a gringaiada na rodoviária não se interessou?? Não deu nem meia hora e já tinha vendido td, com lucro até. Preciso repensar minha carreira. Assim q garanti minha passagem, tive tempo de fazer uma boquinha e ate de secar a barraca e as botas. Tomei o busao e, após 2dias e meio de cansativa trip - com longas paradas em Teresina, Petrolina, Feira de Santana, Vitória e Niterói - cheguei finalmente na Terra da Garoa.
Recapitulando, os Lençóis Maranhenses recebem esse nome justo pela similaridade q suas dunas guardam com as dobras de um lençol estendido na cama. Injusto, porém, é enquadrá-lo na simplista definição de deserto, uma vez q sazonalmente ele se transforma por completo proporcionando miragens de rara beleza q se tornam tangíveis na forma de oásis verdejantes, lagoas cristalinas, muita vida, habitantes gentis esporadicamente nômades e donos de uma cultura peculiar. Ao contrario dos demais desertos, locais efêmeros e sem memória, os Lençóis são igualmente locais mutantes ao sabor dos ventos, porem de uma dimensão exótica q fica + evidente qdo se cruza este nosso deserto-tupiniquim tal qual seus moradores, ou seja, a pé.

Por Jorge Soto
______ Designer por profissao
______ Montanhista e trekker por paixao
______ Mochileiro nas horas vagas
______ jorge_beer@hotmail.com


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LABIRINTO DE AREIA NOS LENÇÓIS MARANHENSESPor Jorge Soto
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São muitos os adjetivos q fazem do Pq Nacional dos Lençóis a maior atração do Maranhão. Razões + q suficientes p/ conferir de perto este local q é realmente de paisagem surreal, composta de uma mistura impar de dunas douradas, lagoas cristalinas, oásis verdejantes e habitantes simples e hospitaleiros, q tem sua rotina - e conseqüentemente, a vida - regida pelo capricho dos ventos. O desafio de conhecer td aquilo na base da pernada e longe do esquemao turístico tradicional era tentador demais de passar batido, ainda + pra quem curte caminhar, convive c/ um perrengue. e quer experiências q vão alem