Encravada na Chapada dos Veadeiros
(GO), porem fora dos limites do Pq Nacional, a jornada até a Cachoeira
do Sertão Zen é um dos programas selvagens relativamente simples
q, c/ bom tempo e senso de direção, pode ser realizada num dia
corrido ou tranquilamente em 2, mas c/ pernoite no mato. De quase árduos
16km de extensão em meio à beleza do cerrado, burutis, sempre-vivas
e velosias traçam o percurso sobre um mirante de onde se avista tb
a extensão da chapada, ate alcançar o alto da imponente cachu,
onde temos a nascente e a deslumbrante visão do Vale do Rio Macaco,
alem dos enormes paredões de quartzito desta bela e exótica
região do Planalto Central.
Arrumei as coisas e me dirigi
à avenida principal, caminhando decididamente ate os limites da cidade.
Tomando quebrada ali, quebrada aqui, alcanço um trevo ate tomar à
direita e, na sequencia, esquerda, e seguir ate o final da rua. Lá
bastou acompanhar uma cerca à esquerda ate dar numa estrada de chão,
já q o asfalto havia sido deixado atrás faz tempo. Após
cruzar uma ponte de madeira sob um rio bem cheio (onde abasteço o
cantil), a estrada comeca a subir ate ganhar altitude no aberto, sempre
bordejando fazendas e cada vez + proximo dos paredões da serra. A
estrada, por sua vez, é um lamaçal só devido à
chuva e as maritacas parecem caçoar de mim nas varias vezes q quase
deslizo de cara no chão! Assim como o arvoredo, q parece desejoso
de me bombardear c/ mangas na cabeça ao menor sinal de vento forte!
No final de 4 interminaveis kms de estrada alcanço uma porteira.
Daqui tomo um carreiro pedregoso saindo pela esquerda q sobe forte beirando
uma cerca. Não tem erro, daqui se avista uma trilha subindo ao alto
da serra! No entanto o topo da mesma esta totalmente encoberto, mas o vento
faz q as nuvens vão se dissipando no decorrer da manha. Aos poucos,
Alto Paraíso vai ficando pequenina la embaixo a medida q vou galgando
degraus em meio ao capim, p/ depois a subir íngreme e exaustivamente
aos ziguezagues atraves de valas erodidas de muita terra e argila de tonalidade
roxa e cor-de-rosa.
As 9hrs, alcanço o 1º e amplo ombro de serra, onde alem de recuperar
o fôlego e sentir a brisa soprar no rosto, dou uma avaliada na carta,
na bússola e na direção a seguir. Daqui a picada bordeja
a encosta de quartzito da Serra da Baliza p/ leste, beirando paredões
de quase 70m de altura! Uma paisagem forrada de capim, alguma vegetação
rasteira retorcida, mas principalmente pipocada de vistosas canelas-de-ema!
Algumas pequenas arvores solitarias mostram sinais de queimada e tds os
afloramentos rochosos ostentam liquens alaranjados, atestando a pureza total
do ar da região. E assim, por largos ziguezagues num carreiro pedregoso
e repleto de cristais, vamos lentamente ganhando altitude ate alcancar o
alto dos 1400m do alto da serra, quase 1 hora após o 1º descanso!
A subida é demorada, porem compensa: daqui tem-se uma panorâmica
de Alto Paraiso, esparramada quase 300m abaixo, de onde destoam algumas
pitorescas casas em forma de oca, usadas por grupos esotéricos p/
fins meditativos, atraídos pelo misticismo q envolve os cristais
agora eu pisava aos montes. Alem disso, a paisagem vai alem da horizontalidade
do Planalto Central, c/ as elevações da Serra dos Cobras,
do Buracão e da Baleia, à oeste!
A partir daqui a trilha segue desimpedidamente p/ leste por um terreno q
poderia ser chamado de 'cerrado de altitude', um chapadão q nada
mais é um vasto descampado de capim, salpicado de altos cupinzeiros,
muitos charcos e alguns focos de pequenas arvores, principalmente ipês
amarelos destoando da retidão desta vasta planicie. A beirada da
trilha é ornada em td sua extensão de muitas velosias, margaridas,
lírios vermelhos, sucupiras e um belo tipo nativo de sempre-viva
q os locais chamam de 'chuveirinho'. Varias picadas oriundas de outras direções
se entrecruzam, mas me mantenho naquela q leva sempre na direção
leste/sudeste, s/ sair do caminho. Água tb não falta, pois
há sempre algum filete dagua ou pequeno corrego rasgando a campina
florida em direcao norte, alem de alguns gdes caldeiroes de água
represadas pela chuva na terra q + parecem verdadeiras banheiras!
Após um tempão caminhando neste ritmo inabalável, a
picada cai noutra + batida (seria a oficial?) vinda do norte p/ depois sair
do aberto e adentrar num foco de mata maior, sentido sudeste. Esbarramos,
enfim, num belo rio cujas águas escuras já ouvíamos
marulhando há algum tempo, q nada mais é a nascente e cabeceira
do Rio Macacão! Daqui bastou acompanhar o dito cujo, fosse pela trilha,
pulando pedras pelo pelo leito do rio ou em meio aos afloramentos rochosos
do caminho, enqto o mesmo corria em vários niveis serra abaixo, formando
degraus lajotados de varias cachus e poços. Aqui o mato estava relativamente
alto e a trilha já não era tao evidente, havendo necessidade
de farejá-la nalguns trechos, mas em tese o sentido era sempre beirando
o rio.
A esta altura o tempo havia limpado completamente e um sol de fritar miolos
dominava, radiante, la no alto! Foi ai q comecei a ouvir o rugido estrondoso
aumentando à medida q avançava. A cachu estava próxima!
Foi qdo a mata hostil e o terreno acidentado impossibilitaram continuar
pelo rio, e a discreta picada me afastou do mesmo tocando p/ esquerda ate
dar numa espécie de mirante sobre gdes lajotas, após um tempinho.
Foi ali q pude apreciar a tao comentada Cachu do Sertão Zen, ao exato
meio-dia! Uma enorme e bela queda dagua despencando de quase 150m de altura!!
Dessa 'aquibancada rochosa' privilegiada tb se descortina um belo visu panoramico
do Vale do Rio Macaco, um verdejante e úmido vale rasgando à
leste os paredões de quartzito da chapada. O Rio Macaco serpenteia
td esta regiao, passa pela Aldeia Arco-Iris (uma comunidade alternativa
de angolanos), e continua serra abaixo atravessando um belo conjunto de
cachus e algumas comunidades calungas, ate dar na Bacia do Tocantins.
Pois bem, daqui veio a duvida: descia o vale ou retornava? Vasculhei os
arredores dos paredões da cachu atrás de vestígios
de alguma picada, s/ sucesso. Pela trilha q tb chegara ate ali tb não
havia muito o q dizer, pq ela logo fechava e se perdia em voçorocas
de mata arbustiva espinhenta em terreno bem íngreme, quase vertical.
Bem q haviam me alertado q descer ao vale era algo dificil pq o mato crescia
facilmente, ocultando qq vestígio de trilha. E varar-mato sozinho
não era recomendável, pq pode ser ate perigoso nessas condições.
Como chegar ate ali já tava de bom tamanho, voltei alguns minutos
na trilha ate reencontrar o rio e la fiquei curtindo as águas escuras
de um poção c/ cachu apenas pra me refrescar, alem de lavar
muita roupa suja q trazia na mochila. Comi algo e fiquei lagarteando nos
lajedos, deixando o sol bater forte na pele, tentando sentir a vibração
dos cristais q permeiam tds as rochas daqui. Sozinho ali, cabei pegando
no sono, claro, sob protesto de um gaviao. Na sequencia, busquei lugar p/
pernoite. Enfim, ali rente o rio era impossível pq, alem do terreno
íngreme e acidentado, o chão tava forrado de rocha irregular
e matão alto. O único espaço disponível era
na trilha, q por sua vez era estreita e repleta de brejos. Sem chance tb.
Como pernoitar na cidade tava fora de cogitação, o jeito foi
retornar 1 hora na trilha ate a vasta campina outra vez e la ficar. E foi
o q fiz.
As 14:30hrs montava minha barraca confortavelmente no descampado, à
sombra de um belo ipê solitário e do lado de uma toca de tatu
naquele enorme chapadão! O resto da tarde foi reservado ao mais improdutivo,
porem justificado ócio! Descanso, leitura, comer besteira ou apenas
contemplação da paisagem. Como o sol e o calor daquela tarde
eram quase palpáveis e permanecer dentro da barraca era impossivel,
o jeito foi explorar os arredores da beirada norte da Serra do Paraná,
sentir a brisa no rosto e tentar adivinhar de onde saia a trilha 'oficial'
do Sertão Zen, na estrada q leva para Morrão. Alem disso daqui
tem-se uma panorâmica do Moinho e Pouso Alto, o pto mais alto da chapada.
Qdo o sol pousou lentamente atrás do horizonte, as 19:30, noutro
belo espetáculo merecedor de vários cliques, os pernilongos
foram à loucura! Os bichinhos tinham o tamanho avantajado de helicópteros
e me forçaram, alem de besuntar de repelente, a me enfiar em definitivo
na barraca! Foi ai q o cansaço acumulado pegou de vez e cai no sono
dos justos, numa noite q foi extremamente agradável, fresca e coalhada
de estrelas. De madrugada, ao som do coaxar dos sapos nos brejos próximos,
levantei apenas p/ apreciar o belo luar e qual foi a minha surpresa de ver
q a campina ao redor parecia estar iluminada naturalmente! O chão
cristalizado, fosse da trilha ou afloramentos rochosos próximos,
refletiam o luar de tal forma, tal qual estilhaços de vidro, conferindo
à paisagem noturna um aspecto pitoresco e surreal! Uma noite cristalizada,
literalmente!
Na manha sgte levantei a tempo de apreciar a deslumbrante alvorada q surgiu
emoldurada na entrada da minha barraca, as 6:30, ao mesmo tempo em q tomava
meu desjejum. Uma hora depois arrumava minhas coisas e zarpava rumo Alto
Paraíso, agora tendo o sol nas costas e um forte vento soprando do
norte. O caminho de volta me pareceu mais rápido q o do dia anterior,
e dessa forma, as 9:30hrs, já me vejo bordejando os paredões
da Serra da Baliza, onde tenho um breve descanso. Após a 'escadaria'
de argila roxa, as 10:30hrs alcanço a base do morrão ate dar
na estrada de terra novamente. O sol escaldante do meio-dia se fez sentir
e não pensei duas vezes em cair num riachinho no caminho. Assim,
as 14hrs já estava de volta à cidade, onde parei numa praçinha
p/ 'almoçar' as pencas de mangas q havia coletado no caminho, alem
de planejar meu próximo destino pelas redondezas.
Enfim, palmilhar o Sertão Zen é um ótimo programa independente q foge da rigidez e das restrições q o Pq Nacional impõem, q pode ser esticado p/ outros locais de igual interesse nos arredores. Tão interessante e bonito qto seu vizinho ilustre e mais notório, o local não poderia ter nome + apropriado. Sertão Zen. O nome é recente e faz parte do folclore orientalista q influenciou Alto Paraíso nos anos 80, atraindo os esotéricos atrás de enriquecimento espiritual. Td a ver mesmo, pq é de fato um local q transmite paz e tranquilidade, onde a energia dos cristais sob (ou sobre) o solo é quase palpável. Ideal p/ meditar e contemplar da natureza selvagem ao redor. Em suma, um local q tem td aquilo q motiva a 'peregrinação' de todo andarilho q se preze, seja esse 'quê' de cunho espiritual ou não.
Cachu do sertão Zen
Trilha na Serra do Paranã
Campinas do Sertão Zen
Encostas da Serra da Baliza
O local tinha cara de ter sido realmente um
camping há muito tempo, mas q estava em desuso. Decente, c/ gramado
fofo, c/ banheiros limpos dispostos em cabines e cercado de pés-de-manga,
o único porém era q a energia elétrica não funcionava.
Mas e daí? Assim sendo, mal me estabeleci fui à cata de infos
de 'como subir' à Serra do Paranã, no limite leste da cidade.
Infos, claro, q não consegui, pq sempre tentam te enfiar um guia
goela abaixo. No entanto, da própria cidade já se avistam
picadas subindo espigoes de serra sucessivos ate o alto, daí bastava
descobrir de onde estas partiam. Simples assim, dei uma rápida sondada
nos arredores ate ter essa ideia e de já preparar as coisas p/ pernada
no dia sgte, q seria apenas de reconhecimento dos arredores selvagens da
regiao. O resto da tarde e inicio de noite fiquei no sossego: tomando cerveja,
comendo espetinhos e curtindo o point dali, um tal de 'I Forró Dance',
na cia de duas missionárias austríacas q conhecera na farofada
e nada recomendável São Jorge. E seu parque idem.
Pois bem, levantei de ressaca as 6hrs no 'camping' sob muita neblina. De
noite chovera horrores c/ direito a relampagos, deixando o gramado forrado
de mangas e carambolas, q complementaram meu mirrado café-da-manha
e abasteceram o estoque de frutas na cargueira.
http://www.brasilvertical.com.br/l_trek.html
Por
Jorge Soto
Designer por profissao
Montanhista e trekker por paixao
Mochileiro nas horas vagas
jorge_beer@hotmail.com