Saí do Brasil tendo em mente uma parede de rocha, no meio da cordilheira Blanca: La Esfinge, com 5350 metros de altitude e se destaca no lado norte do vale que leva à bela laguna Parón. Mas apesar disso, pouco sabia sobre esse big wall. Cinco meses antes, um amigo de Chaltén me convidou para fazer essa montanha e eu sem conhecê-la, mas confiando plenamente no julgamento dele aceitei o convite às cegas. Quando voltei ao Brasil reuni o máximo de informação que consegui sobre essa escalada e no dia 11 de julho peguei um vôo para Lima.
Perú
Começava então
provavelmente, a viagem mais completa da minha vida. Passei por todo tipo
de roubada, mas impressionantemente tudo se ajeitava com uma estranha naturalidade.
Para começar não tinha minha carteira de vacinação
internacional comigo, puro despreparo, conseqüência de preparativos
de última hora. As conseqüências foram, duas horas negociando
na companhia aérea para me deixarem embarcar, quando finalmente me
permitiram viajar com a promessa que regularizaria minha situação
no Peru, eu só agradecia que graças à pressa, eles nem
se incomodaram com os 7 quilos de excesso de bagagem, e também à
crise dos controladores que atrasou o vôo, o que garantiu meu embarque
e conseqüentemente minha viagem.
Cheguei a Lima e decidi sair dali o mais rápido possível, essa
cidade feia entre a areia do deserto e uma constante neblina, despertou-me
pouco interesse. Assim, peguei um ônibus na única companhia que
estava fazendo o trajeto Lima-Huaraz às 9:30 da manhã. Como
era um dos poucos que falava espanhol virei tradutor de uma comissária
de bordo que tentava explicar aflita que havia barricadas na estrada.
Logo percebemos a seriedade do problema. Embora tenhamos passado por várias
barricadas armadas pelos grevistas na estrada Panamericana, onde a polícia
ainda tinha bastante poder, no alto da cordilheira Negra chegamos a uma que
não conseguíamos passar. Passamos a noite aí, morrendo
de frio porque o motorista sumiu e nos deixou sem acesso a nossas bagagens,
a 3600 metros de altitude.
Essa greve nacional começou como uma greve de professores que acabou
sendo aderida pelos agricultores que reclamavam do aumento nos preços
de alguns materiais necessários para sua produção.
No dia seguinte, como a situação não melhorou eu, um
austríaco e dois suíços, também montanhistas,
decidimos passar pelos bloqueios a pé. Logo percebemos que não
eram barricadas, mas quilômetros de pura confusão de pedras sobre
a estrada, e caminhamos por ali sob os risos dos locais que achavam particularmente
engraçados quatro gringos, caminharem por tal confusão, ou então,
o mais provável, pelo tamanho das mochilas. Encontramos então
uma passeata bem barulhenta de comuneiros com porretes nas mãos, mas
que riram de nossas figuras e passaram a nos acompanhar.
Caminhamos por um bom tempo com os comuneiros, agricultores de uma espécie
de cooperativa, que descontentes iam cantando e fazendo barricadas nas estradas,
derrubando árvores e causando desmoronamentos de pedra sobre a estrada.
Eles nos aceitaram muito bem e como era o único fluente em espanhol
fiquei discutindo política com eles, e escutando suas idéias,
na maioria herança de Bolívar. Logo depois de nos separarmos
deles, encontramos um carro da polícia que nos deu carona até
Huaraz.
Huaraz é uma cidade que vive do turismo de montanha se localiza no
fundo de um vale entre as cordilheiras Negra e Blanca e tem potencial para
todo tipo de escalada. Tem diversos points de escalada esportiva sendo que
o melhor é um chamado Hatun Machay, que além de ter um potencial
quase infinito de boulder e vias esportivas em uma rocha vulcânica cheia
de buracos, é um rico sitio arqueológico cheio de pinturas rupestres.
Eu e os argentinos fomos aclimatar na Quebrada Ishinca, junto com o austríaco
que tinha caminhado comigo, Robert. Tínhamos combinado com um arriero
(homem que arriava os burros de carga), Jonny que teria três burros
para carregar parte de nossas coisas, para nos encontrar em Paxpa, mas quando
chegamos lá não havia ninguém. Ficamos jogando futebol
com umas crianças até que outro cara conseguiu três burros,
e nos acompanhou até o acampamento base a 4350m. Esse vale é
cheio de paredes por todos os lados, com um grande planalto onde todos acampam
e onde existe um grande refúgio, bonito, mas extremamente caro. Passamos
5 dias ali e tentamos duas montanhas, a Ishinca (5550) e o Toclaraju (6033).
A Ishinca foi a primeira que tentamos, saindo do acampamento base, fizemos
uma subida rápida, mas perto do cume, por não ter conseguido
uma boa aclimatação passei mal e depois de vomitar umas duas
vezes subi ao cume e desci pelo outro lado com grande esforço. No Toclaraju
fizemos um acampamento alto, a 5100m de altitude e embora dessa vez estivesse
bem, sem contar o princípio de congelamento nos pés, os argentinos
desistiram do cume a 5900, idéia que eu não achei ruim, pois
esperava que quando o sol nascesse o tempo melhorasse, mas a luz do dia só
serviu para mostrar uma neve que voava horizontalmente a nossa volta, e despreparados
para aquele clima, descemos a montanha e dali direto até Collon, por
uma das trilhas mais bonitas que já fiz. A região do interior
de Huaraz está cheia de fazendas que parecem paradas no tempo, com
pequenas casas de pedra e telhados de madeira. De Collon pegamos um microônibus
para Huaraz.
Esfinge
Desde a desistência no Tocla, os argentinos estavam meio estranhos e
no dia seguinte, quando fomos fazer umas esportivas eles me disseram que tinham
desistido de fazer a Esfinge. Em menos de uma hora no ônibus, voltando
das esportivas conheci Fernando, um chileno, que quis fazer uma parceria de
escalada comigo. No dia seguinte de manhã cedo arrumamos croquis e
comida e às 11 da manhã já estávamos indo à
Laguna Parón. Esse vale é um dos mais bonitos que já
vi, com montanhas famosas como o Artesonraju e o Chacraraju ao fundo, a Esfinge
na entrada e no lado sul a moraina de formação mais peculiar
que já vi.
Fizemos aproximação
ao acampamento base em três horas carregando todo o equipo e ficamos
impressionados com o tamanho das expedições que estavam alí.
Uma de Mexicanos com uns 10 escaladores que tinham chegado logo antes de nós
com mais 10 carregadores e dois cozinheiros. A outra de dois gregos e 8 carregadores
e uma cozinheira. Conversamos sobre planos de escalada com os mexicanos e
fomos dormir. No dia seguinte às 8 da manhã estávamos
na base. Sei que era meio tarde mas só íamos fixar cordas. Chegamos
lá e vimos que 4 largos de uns 30 metros cada já estavam fixados.
Como só tinhamos dois jumares, cada um pegou um e escalamos esses largos
com os jumares nas cordas, usando de segurança. Escalava um pouco e
corria o jumar, técnica que nos custou um tempo pra se tornar natural.
Ao final desses largos peguei a ponta da corda e escalei mais 4 ou 5 largos
até o grande platô de bivac no meio da parede. Como eram apenas
11:30 da manhã resolvemos tentar um ataque a cume no mesmo dia. O Fernando
que se dizia cansado por estar carregando a mochila pediu que eu continuasse
guiando e assim seguimos. Perto da décima primeira parada pegamos uma
fenda errada e saímos da via. Depois vimos que alguns croquis alertavam
para não pegar essa saída que parecia lógica. Lá
pelo décimo terceiro largo tive que fazer algumas passagens difíceis
e no largo 14 tive que fazer umas passagens em artificial logo depois da parada
com micronuts e tirar um crux em livre sem possibilidade de proteger. Esse
foi o largo mais difícil que já fiz pelo esticão de 55
metros de aderência difícil, sem proteção, até
chegar justo a um diedro onde acabou a corda. Consegui fazer uma parada meio
mala e fixar a corda, para que ele subisse com os jumares. Mais dois largos
e estávamos de volta na via. Nesse momento me sentia “frito”,
e pedi para o Fernando guiar os dois últimos largos e ele optou por
uma linha um pouco pela direita da via e às 17:15 estávamos
no cume. Foram longos 750 metros em pouco mais de 9 horas. Foi só chegar
ao acampamento base e os mexicanos nos ofereceram comida, que aceitamos e
fomos dormir. No dia seguinte de manhã descemos para a laguna Parón
e de lá para Huaraz.
Como qualquer escalador, os momentos de plenitude duraram pouco e comecei
a arrumar uma expedição para a via Cruz Del Sur também
na esfinge, no dia seguinte eu cheguei a Huaraz, mas infelizmente no dia que
íamos sair peguei a famosa infecção alimentar peruana,
o que impossibilitou qualquer escalada até o meu retorno ao Brasil.
Apesar disso voltei contente e encantado com esse país tão rico
culturalmente que é o Peru, com a certeza de que voltarei para escalar
novos projetos.