___ NUM DIA DE DOMINGO — “ A DOMINGOS GIOBBI EM UM DIA”
Quem já subiu no cume do Bauzinho, mesmo que de passagem e não tendo um envolvimento com escalada, certamente se surpreendeu com a espetacular visão da Face Norte da Pedra do Baú. Palco para muitas viagens ópticas, talvez o que mais chame atenção nesta parede seja a grande depressão circular localizada no meio de sua porção alaranjada, que parece um grande olho bem aberto, sempre fitando o vale abaixo.
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Cruzando este imenso olho passa a linda via Domingos Giobbi (5 VI A2+), provavelmente o Big Wall mais freqüentado do estado de São Paulo e um dos mais antigos também, aberto pelo Makoto Ishibe e Hugo Armelin em 1989 (o que mostra a “juventude” do montanhismo paulistano).

Tive o prazer de conhecer parte desta linha num curso avançado de escalada no final de 2004, quando aprendi a pisar no estribo com o grande Armando Galassini e o escalador ímpar Alexandre Portela. Como não era a idéia do curso terminar a via toda, fiquei com aquela sensação de “assunto mal resolvido” que todos que escalam conhecem e a promessa de voltar para aquela parede o mais rápido possível. Mais ou menos nesta época, conheci um grande parceiro de escaladas, o David Henrique, que levava nas mãos muitos calos e nas costas muito mais experiência que eu. Coincidentemente, o David também tinha uma fascinação por aquela linha há tempos e a proposta para fazermos esta escalada não tardou a aparecer.

Pois numa madrugada do carnaval de 2005, estávamos rapelando pelo col entre o Baú e o Bauzinho, chegando no platô que dá acesso à via nos primeiros raios de sol. Aliás, nesta época do ano o sol dá uma trégua pra quem escala a Domingos, sendo que há sombra na parede durante quase o dia inteiro. Nossa idéia era de escalá-la em um dia, evitando carregar a tralha que sempre acompanha uma escalada em Big Wall. Assim, economizamos no peso: levamos apenas uma mochila pequena com água, comida, lanterna e anorak, duas cordas, sendo uma usada como retinida, dois jogos de camalots, dos micro até o número 4, um par de talon, um jogo de nuts, incluindo alguns micronuts, estribos e jumares.

Sem muita pressa, mas num ritmo constante, fomos revezando as cordadas, cada um guiando 3. No final da primeira, que começa um uma seqüência quebradiça e passa por um bonito diedro, dando acesso à parte inferior do “grande olho”, encontrei a Roberta Nunes, o Cesinha Grosso, o Rômulo Bertuzzi e o Márcio Bruno, que tinham se cansado das baladinhas carnavalescas de São Bento e também tinham resolvido curtir aquela parede, sem ressacas. Enquanto o David se entendia com os buracos de cliff da segunda enfiada, eu passava mal de dar risadas com aquela galera que parecia já ter cheirado loló às 7 da manhã! Ótimas lembranças daquela horinha ali. Sem tanta graça, um aviso a quem repetir a via: no final desta enfiada, há dois caminhos distintos em buracos de cliff. O correto é o da esquerda, que leva diretamente ao pé do teto (parte superior do olho). O da direita dá acesso à via Mela Cueca.

A terceira enfiada ficou por minha conta. Ela passa por baixo de um teto lindo, cheio de fendas e buracos que garantem ótimas proteções. A rocha, alaranjada e meio rajada de cinza, dá uma satisfação visual imensa e convida pra ser escalada, lance a lance. Uma surpresa ainda está reservada para o final da enfiada, na hora de virar para a parte de cima do teto, num lance aéreo bem bacana! A adrena (ou diversão...) desta enfiada, toda em diagonal, fica por conta do segundo, que vai até se cansar de pendular no vazio, com boa parte do Baú lá em baixo.

A quarta enfiada é um pouco mais trabalhosa, principalmente quando se carrega Haul Bags, porque ela tem um rapel em pêndulo logo no começo e depois segue em horizontal, até alcançar uma parte positiva da parede, abaixo da via Normal do Baú. Neste ponto, a via muda de cara, pois foge da negatividade da parede e volta a ter trechos em livre, deixando a curiosidade de como seria se a via tivesse continuado reto, em direção ao cume. No final desta enfiada há a opção de abandonar a via pela rota Normal, o que, sem dúvidas, é um desperdício e deveria ser considerada apenas em situações “perrengosas”, porque a última enfiada é uma das mais bonitas. O acesso a ela é quase todo em livre, com um curto e fácil trecho de artificial, chegando numa parada que ainda tem pítons da época da conquista.
Chegamos ali já no final da tarde, hora que o sol, poente, já deixava uma coloração bem alaranjada por toda a parede. Depois de ter quebrado um pouco a cabeça com os lances iniciais da enfiada, os mais delicados, o David ligou o turbo e atropelou a longa fenda diagonal que corta toda a parede final do Baú e separa o seu bico do resto do corpo. Quando alcançou a última parada, em alto estilo, ainda recebeu uma salvação por parte de um pessoal que estava assistindo a empreitada do Bauzinho. Como a luz já era pouca e os pêndulos seriam bem grandes nesta enfiada, desisti dos estribos e fiz ela toda em livre. O começo, único trecho em artificial, deve dar um 7a e o resto da enfiada um gostoso quinto grau.

Sensação de missão cumprida! Felicidade estampada em nossas caras! Uma balada carnavalesca sem confetes, nem axé, nem funk! Ainda bem! 13 horas de integração com aquela parede, com todo o respeito e admiração que uma escalada dessas merece.
A recompensa: o resto da semana sorridente e as boas memórias pra sempre conosco.

Por Antero Ferreira Macedo
______ Biólogo, doutorando em Biologia Molecular
______ Escalador de rocha desde 1999
______ anterolimpio@yahoo.com