Na volta resolvemos ir até
São José do Divino para conhecer a Pedra Riscada, o quinto maior
monolito do planeta. A primeira visão que se tem dela é já
na estrada que chega a São José do Divino, ela aparece imponente,
parecendo uma poltrona gigante, tanto que as pessoas da cidade a chamam de
Trono de Deus, ou coisa parecida.
Até aquele momento existiam apenas algumas vias e a sua Face Sul estava
intacta. Era um belo paredão que esperava alguém para subi-lo
e esta era uma via que eu gostaria de fazer, pois tinha mais de 1000m de pedra
a ser escalado, apesar da aparente ilusão de não ter mais de
400m. A idéia de subi-la a cada dia ia tomando forma em meus pensamentos.
Conto ao Edemilson que trabalharia só mais algum tempo e que depois
eu iria “atrás” da pedra. Esta seria a segunda vez que
sairia de um emprego para subir montanhas, a primeira vez foi em 77, quando
sai de um trampo que tinha em um jornal em Curitiba para ir conhecer o Itatiaia
e as montanhas do Rio de Janeiro.
Com patrocínio da “Conquista” para esta investida, parto
finalmente em direção a “Pedra”.
Convido um aluno meu, o Giorgio Zofoli, para me acompanhar. Eu o havia instruído
num curso básico de escalada em Campos do Jordão,SP e ele tinha
tido um bom aproveitamento, era forte e determinado o suficiente para me ajudar
na empreitada que esta Escalada prometia.
Lotamos o carro e partimos rumo a “Pedra”, não tínhamos
pressa, escolhemos as estradas secundárias para fazer uma viagem calma
e sossegada, sem o terror das estradas principais. Chegamos no local que seria
nossa base e montamos acampamento. A caminhada até a base era fácil
e cheia de carrapatos e mosquitos, mas privilegiada, pois, caminhávamos
em meio as últimas árvores que restavam na região e que
não puderam ser cortadas devido ao terreno ser acidentado demais para
poder baixá-las; só restaram alguns exemplares de árvores
maravilhosas num raio de muitos quilômetros. Montamos nosso acampamento
junto da parede, armamos nossas redes e ficamos desfrutando do lugar. A noite
um forte vento e chuva nos deram boas vindas! Pela manhã, o sol nos
dava coragem!
Eu teria que guiar todos os largos e o Giorgio me daria segurança e
ajudaria com o içamento das mochilas. Consegui abrir 3 largos, mas
ao descer para base, no final do dia, observei um itinerário melhor
para subir e ao retornarmos no outro dia entrei neste novo itinerário
e ficou mais rápido, mas tive que escalar 3 novos largos.
A parede era composta de varias agarras, mas tinha um porém, 30% das
agarras quebravam a todo o momento, ou era uma agarra de mão ou de
pé, criando uma onda de adrenalina constante, eu tinha que escalar
atento e volátil. Subia largos inteiros sem parar para colocar grampos
e somente montava a parada para meu companheiro subir e rebocar os equipamentos.
Chegamos ao Platô do Bonsai e montamos nosso acampamento de parede e
nesta primeira noite uma chuva tentou literalmente nos arrancar do nosso lar
provisório. Pra nossa sorte o sol saiu pela manhã e em algumas
horas estávamos prontos e secos para escalar novamente.
O lance a seguir era mais inclinado e se podia ver que era de muita “responsa”
(um solo de 6ºgrau de 30m à vista, sem a referência de que
alguém já tinha feito e com uma queda de 60m, acertando um platô
de brinde!). Subo sem mochila para ter mais liberdade de movimentos e em poucos
minutos estava “em cima” da moita que serviria de platô
(acabo solando esta cordada por mais de 10 vezes, até ser possível
chegar ao cume!). Bato os grampos da parada, meu companheiro sobe para me
dar segurança para o próximo lance e com uma corda estática
de 100m e mais um pedaço emendado, escalo um largo de 120m sem colocar
proteção. Chego a Banheira das Cabritas, o lugar é único,
um mundo de granito, ali podíamos dormir, havia um pequeno espaço
plano e tínhamos uma fartura de água amarela que chamávamos
de “xixi de cabrita”. O costão a seguir, que imaginávamos
deitado, agora se revelava ser bastante inclinado e para minha surpresa, tinha
que escalar lances constantes de 4º grau ou mais, em aderência
e com mochila nas costas, o trabalho era mais penoso que difícil.
Conseguimos mandar aproximadamente 600m, até agora tinha sido possível
escalar os largos sem precisar bater grampos entre as bases, mas agora a parede
fica mais difícil. Depois de escolher o pilar por onde eu gostaria
de subir, já que são tantos, começo a escalar, uma agarra
de mão quebra e eu tomo um “amarelão”, o que me
tira a concentração, um platô abaixo de mim ficava de
boca aberta esperando um vacilo meu! Aquilo me tira a paz e nos próximos
20m coloco 3 chapas, a mais ou menos uns 6m uma da outra, aquilo me acalma
e volto a escalar com tranqüilidade, sem a necessidade de se utilizar
de força e os próximos 20m consigo “mandar em paz”,
sem grampear, apesar do largo ter ficado exposto e difícil. Escalava
com uma sapatilha 5.10, precisa, segura e confortável, e sua sola C4
é perfeita para escalada de responsabilidade.
Tivemos que descer umas quatro vezes e ir ate a SJD, para secar roupas, descansar,
comprar comida, tomar umas geladas e etc... Nos aproximamos dos primeiros
caraguatás gigantes, era como se escalássemos em meio a uma
multidão de estranhos indivíduos e a escalada agora era mais
difícil, mesmo assim consigo escalar e colocar os grampos bastante
distantes uns dos outros, em media 10m e algumas vezes até mais distantes,
era muita parede e parar para colocar proteções demoraria ainda
mais a escalada. Para a escalada render esticava os largos ao máximo
e mesmo assim, a parede era muito grande e víamos isso quando esticávamos
uma corda de 60 m e tínhamos a sensação de não
termos saído do lugar. Percebemos, para a nossa frustração
que não seria possível chegar ao cume desta vez e que nosso
tempo acabara, meu companheiro, que tinha resistido com bravura e bom humor
na sua primeira experiência em montanha, agora tinha que voltar para
casa e cuidar da vida. Um pouco antes de terminar o último largo, coloco
um rebite e resolvo descer, pois tínhamos que aproveitar o tempo que
tínhamos de luz para chegar até as “Cabritas”. Ainda
faltava muita rocha, era incrível saber que tinha rendido aproximadamente
700m de escalada e os primeiros 600m foram praticamente em solo, com grampos
só nas paradas!
Descer de uma via inacabada é um momento difícil e frustrante
e a única coisa que nos conforta é saber que você voltará!
Alguns meses depois, em 2002, voltei novamente com outra turma, para tentar
outra rota, mas pela pouca experiência do grupo, usamos minha rota anterior
para ganhar altura e a partir do Platô das Cabritas, saímos por
uma rota à direita. A pedra cobrara cada metro escalado e meus companheiros
acharam a tarefa muito difícil para eles e não estavam preparados
para aquele tipo de escalada. Novamente nosso tempo acabou e tivemos que abandonar
a escalada.
Novamente, alguns meses depois, em 2003, após abrir algumas vias em
Campos do Jordão, voltei uma terceira vez com amigos e desta vez a
viagem foi mais dura conosco. Na primeira noite fomos atacados por “trocentos”
carrapatos e eram tantos que tínhamos carrapatos por todo o corpo e
quanto mais nos movíamos no denso capim que nos acompanha até
a base, mais carrapatos grudavam em nós e a coceira e o desconforto
era inevitável. Não sabia que carrapatos eram aqueles e se teríamos
maior conseqüência, apesar do ânimo do pessoal, como eu era
responsável pela equipe optei por descer do Platô Dorme Mal.
Descemos para dar uma chance a coerência.
Um ano depois, durante um curso de Montanhismo que eu ministrava, convidei
um aluno, o Eiji Fujii para terminar seu curso na Pedra Riscada, seria um
grande desafio pois poríamos aí “a prova” todos
os ensinamentos, seria uma grande experiência para o Eiji, já
que teríamos que colocar em prática tudo o que havia sido ensinado
em seu curso, do bivak ao içamento de cargas, utilização
de cliffs, grampeação, logística de parede e etc., e
tentaríamos terminar a rota eu havia começado.
Novamente enchemos o carro de tralhas e partimos para SJD. Mais uma vez solo
aquela imensa parede, passo pelos mesmos lances que sabia que me levariam
pra cima. Tivemos que fazer muitos transportes de equipamentos até
a base e depois içá-los. Entre chuvas, carrapatos, mosquitos,
sobe e desce e cervejas. Chegamos a três largos do final e novamente
tivemos que descer, nosso tempo já era!
Nesta temporada, solo por quatro vezes os mesmos lances até chegar
no início do Pilar Central onde havíamos deixado nosso acampamento.
Meu aluno, Eijii, tinha terminado seu curso, com o meu incentivo, apesar de
muito medo e receio, acabou guiando, caindo, grampeando e vivenciando o melhor
do Montanhismo e era muito bom estar ali com os carrapatos , tomar água
amarela ,coçar o dia inteiro, ficar como macacos catando piolho e sendo
comido por uma nuvem de mosquitos, mas eu não tinha terminado a via
outra vez e a idéia de voltar já me deixava feliz.
Duas semanas depois eu estava voltando acompanhado de duas feras do Montanhismo,
Bruno Melo e Rafael Specian, guias e criadores de muitas vias na região
da Pedra do Baú. Não tínhamos muito tempo, tínhamos
só uma semana e eram poucos dias, mas valia a “trip”, ver
a “Pedra” e estar na companhia destes escaladores para mim era
um privilégio.
Eu queria terminar a via da face sul, era uma linda formação
de granito e seu tamanho era revelador, também pela oportunidade de
poder abrir uma via, de praticar Montanhismo na sua essência e de percorrer
passo a passo mil e tantos metros de um granito, hora liso, hora podre e sem
nenhuma fissura. É difícil deixar uma via sem terminar ...
Eu queria fazer esta via com amigos e com pessoas apaixonadas pelo que são
e pelo que podem fazer, pessoas que tenham consciência da oportunidade
de serem montanhistas. Não me interessava nesta altura do campeonato,
fazer uma escalada profissional. Subir carregado de adesivos e etiquetas,
de patrocínios duvidosos e de responsabilidades mal formuladas, era
uma bela Montanha para trazê-la tão baixo.Lá estava Eu,
novamente estava guiando aqueles largos insanos e inimagináveis. Como
não tem grampo, você não tem uma “reta” para
seguir, você faz o itinerário com os olhos, mas você pode
sair de um quarto grau e facilmente entrar em lances de 7 grau ou entrar num
setor de pedras podres ou lisas... diversão garantida.! Caberia a mim
guiar aos ditos 600m iniciais, atento, com responsabilidade e longe de acidentes,
pois não é isso que procuramos quando saímos de casa
para escalar e cada um sabe de suas possibilidades e o quanto é honesto
consigo próprio e como eu havia aberto os lances e sabia por onde eu
tinha escalado, seria mais rápido. Esqueço meus tênis
de escalada e subo com um tênis de cada marca, pois foi a maneira de
encontrar conforto, já que calçava um tênis do Bruno e
outro do Rafa e esses tênis sabiam o que fazer. Eu guiaria até
a base do Pilar Central e nossa idéia era chegar lá, naquele
dia.
Guio ate o Platô Invisível, onde passamos a noite, enquanto procurava
um lugar para fazer café os dois escalam aproximadamente mais uns 100m
e fixam a corda para facilitar o dia seguinte . Neste platô, que não
existe, se der sorte você acha os únicos centímetros aonde
é possível uma só pessoa dormir, os outros terão
que ter criatividade, mas no final todos dormem bem!
Na manhã seguinte Bruno e Rafa passam a liderar e Eu vou com as mochilas,
naquele dia os “mano” tiveram um dia de Samurai, decifrando o
quebra-cabeças que levava até a próxima chapeleta e como
guerreiros, subimos até aonde tínhamos parado na minha última
tentativa. Chegar até ali tinha nos esgotado, pois subimos muito rápido,
a via é muito tensa e obriga o escalador a subir sempre “blocado”
e nossos dedos, antebraços e cérebro já sentiam o esforço
feito até aquele momento.
Passamos uma noite de cão! Bruno e Rafa espremidos contra a parede
por suas redes e eu “cozido” por ter passado a noite sentado em
um caraguatá. O frio, o vento e a neblina foram os adicionais da noite.
Acordamos literalmente podres. O tempo tinha mudado e a parede acima nos dizia
que nosso tempo era curto . Enfim já sabíamos disso.
A escalada do Pilar Central é mais lenta, mais técnica e a rocha
mais quebradiça. No nosso quarto dia de viagem estávamos cansados,
tocamos somente 15m de via nova e por fim concordamos que nosso tempo era
curto e resolvemos descer e curtir os dois dias que nos restavam na vila,
olhando as morenas, entre uma cerveja e outra.
Já estava acostumando com o fato de descer e voltar, já não
era mais uma escalada, era sim uma relação, Homem e Montanha,
eu estava feliz, estava praticando montanhismo. Sabia que mais uma viagem
e com os dias certos eu terminaria a Via . Alegrava-me o fato de saber que
mais uma vez voltaria a São Jose do Divino, encostar o cotovelo no
balcão da mercearia do Zezinho (onde nóis é vip!) e ficar
de prosa; era muito bom saber que era uma relação com a Montanha
que nos possibilitava isso e era assim que seria, com muitas visitas; coisas
do Montanhismo.
Eiji teria novamente uns dias disponíveis, em agosto de 2006, e estava
“afim de” voltar para tentar novamente. Em Maresias, enquanto
espero os dias de sairmos, “abro” uma falésia que eu havia
descoberto no primeiro dia que cheguei a Maresias e que havia utilizado para
dar aula de conquista e grampeação para o Eiji onde abrimos
uma primeira via e com corda de cima colocamos algumas chapas para uma futura
via e para não ficar parado enquanto o Eiji estava ocupado administrando
o hotel de sua família e se preparando para poder viajar, vou sozinho
para a falésia e coloco umas 12 vias esportivas com graus para todos
os gostos, todas abertas com talhadeiras manuais, para treinar e ficar preparado
pois sabia o que me esperava se tratando de Pedra Riscada.
O Eiji não guiaria, pois não tinha treinado para guiar uma via
como aquela e não queria colocar mais grampo que o necessário
e ele acabara de se formar e ainda teria que fortalecer seus conhecimentos
e experiência de ponta de corda, não valia o risco; mas era muito
bom contar com seu apoio e sua companhia.
Partimos com o patrocínio do Hotel Côco Nuts, situado em Maresias
bem no meio do agito dos bikinis e a “Falésia do Bito”(como
já ficou conhecida) bem ao lado.
Ao chegarmos no nosso velho local de parada, sabíamos que tínhamos
um duro trabalho a ser feito. No outro dia escalamos até a base do
Pilar Central e montamos nossos “porta ledge”, naquela noite choveu
e como a pedra fica impossível de escalar descemos até SJD para
descansar e se refazer do içamento dos equipamentos . Assim que o tempo
melhorou voltamos a parede e novamente solo aqueles 400m e os últimos
120m escalo a noite sem lanterna; esgotados, dormimos ao lado da água,
ao relento e sem saco de dormir e durante a noite precisamos de nossos cobertores
térmicos!
Chegamos aonde a via havia parado e escalo uns 15m, alcanço o tão
desejado “Platô da Arvore”, que não era bem um platô,
mas seria melhor dormir ali do que em outro lugar, pois ali era possível
ficar em pé e cozinhar com mais tranqüilidade, escalo mais uns
15 m e desço para dormir. No dia seguinte consigo escalar uns 45 m,
a via agora era lenta e a pedra era mais podre que nunca, mesmo assim estava
predisposto a não parar para grampear e esticava a distância
entre cada chapeleta o máximo que podia.
Naquela noite desço completamente esgotado. Quando estou chegando no
“quase” platô escutamos um estalo e logo após o platô
cai e ficamos dependurados no escuro, tive que montar minha rede, que rasgou
e tive que passar a noite sentado novamente em um caraguatá e o Eijii,
que perdera uma vareta de sua rede passou a noite espremido contra parede.
Nossa comida havia acabado e nossa água estava no fim, tínhamos
uma só refeição. Passo a noite acordado, esperando a
oportunidade que aquele dia me possibilitaria.
Acordei moído, não tínhamos mais comida, somente algumas
balas e proteína em barras que eram horríveis. Sem comer e sem
café começo a escalar. Tínhamos que atingir o cume aquele
dia, não tínhamos mais comida, nem água e nem mais tempo;
era tudo ou nada e eu não conseguia saber quanto ainda faltava, pois
o desenho da pedra não permitia que eu decifrasse o melhor caminho.
Comecei a escalar e nos primeiros metros já eu estava exausto, a noite
em claro cobrava seu preço.
Subo sem fazer parada, faríamos isso depois, na descida. Passo o dia
todo escalando.
Apesar das chapeletas estarem em media a uns 10m de distância uma das
outras e algumas até mais; tenho que colocar várias no dia;
subimos aproximadamente 100m de parede e as 6h da tarde chego ao final da
parede!
Tento comemorar com uns gritos, mas não tinha força para gritar,
estava muito feliz, olho ao meu redor e vejo o dia chegando ao fim, as cores
do anoitecer já enchiam o céu, as poucas luzes da região
já estavam acesas, escuto um grito vindo lá de baixo nos saudando;
o dia morria morno e meu coração se enche de alegria e gratidão
e respiro profundamente aquele momento!
Uso minhas últimas forças para bater os 2 últimos grampos
que coloco pra meu espanto, rápido!
A via tinha chegado ao fim, depois de tantas tentativas, aquele momento tinha
chego como deveria ser, quando se trata de montanhismo, da relação
que os homens tem com as montanhas e quando se põe a “cara a
tapas”.
Agora eu poderia sonhar com uma nova escalada!
Espero o Eijii subir, comemoramos, pois tanto para ele como para mim, aquele
momento tinha cobrado de nós muito esforço, mas havíamos
tido tanto em troca, que a única coisa que não nos lembrávamos
era do esforço que nos custara a chegar ali.
Tentamos ir até a parte mais alta, mas como não tinha trilha
tentamos abrir uma, o chão era fofo e difícil caminhar, afundávamos
na vegetação, propriamente dita, não conseguíamos
ver mais e teríamos que usar nossas últimas pilhas e estávamos
esgotados e famintos, queríamos comer, dormir e até tomar
banho e escurecia muito rápido, nosso ânimo e nossa energia
tinham sumido, o dia tinha acabado. Desistimos e começamos a baixar,
chegamos ao nosso ex-platô e decidimos descer a noite. Chegamos ao
Platô Invisível, comemos e assim que eu deitei, durmo imediatamente,
tudo o que tinha de direito; acordamos tarde e eu, mais cansado ainda .
Não tínhamos mais café, nem comida e o recurso era
descer rápido, pois só pensávamos na comida da pensão,
em banho, coca cola, cerveja e em todo tipo de pecados. As mochilas estavam
pesadas como sempre e os rapéis eram intermináveis e demorados;
a corda era pesada para puxar e eu já não fazia mais nada,
ficava esperando o Eiji fazer esse trabalho e ao meio dia, tocamos o chão.
Metro a metro tinha escalado uma das minhas mais difíceis vias, tínhamos
conquistado a Face Sul da Pedra Riscada, uma via maravilhosa e que me gratificava
com cada metro de rocha escalada. A “Cria Cuervos”, não
é dessas vias que vale “a pena” repetir; se você
tem consciência do risco envolvido, é melhor abrir outra via.
Se fosse classificar a via, para fornecer uma referência em números,
eu diria que ela é uma via de 7º E5 D6.
A cada metro escalado estava perto de um grande acidente e tinha que jogar
com toda a experiência adquirida nestes 40 anos de montanhismo e escalada.
Nem na Patagônia, El Capitan, Bolívia e etc... eu estive tão
perto de um acidente ou para ser sincero, perto da morte, mas foram os momentos
mais intensos que tive na minha vida de Montanhista e como estive nesta
via e tudo pelo fato de não querer encher a via de grampos, de não
carregar minha coragem, nem meu conhecimento na mochila.
Eu escalo, simplesmente jogo o jogo, e não como se fosse uma penitência,
mas sim, como uma dádiva.
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